Poemas, frases e mensagens de VIDEIRA

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de VIDEIRA

Talhe de foi-se

 
Julguei eu ser poeta e fiz de tudo
p'ra me juntar a quem julguei meus pares:
pobre de mim, caí em erro agudo,
só pernões me saem nestes andares.

Não falo no saber lidar a língua,
só isso não é feitio, é defeito,
mais me aflige o tento morrer à míngua,
usar-se a linguagem sem respeito.

Se um dia se erguerem em revolta
as palavras, que servem de ribalta,
de capacho, de pedrada, de escudo...

é quase certo a moeda dar a volta
e cair a coroa à voz mais alta!
(dessas, que se ficam num canudo...)
 
Talhe de foi-se

Balha-me Deuz, Santantónio!...*

 
BALHA-ME DEUZ, SANTANTÓNIO!...

Há milagres, Santo António,
Mais balia num fazeres,
Atão deste-me um demónio
Nas bezes de uma mulhere?...

Anaifou-se de donzela,
Até fingiu dar-me luta!,
E eu caí na esparrela,
Saíu-me foi uma bruxa*!

Quis conhecer minha eira,
Elogiou o meu malho,
Depois fez-se foi ronceira,
Quer na cama o binho e o caldo*!

Foi logo arrastando a asa
(d'anjo torto, pois atão!),
Mas quem se queimou na brasa
Foi aqui este fulano*!

Primeiro fingiu deixar-me
Pôr-lhe cabresto e estaca,
Nos óspois quis comandar-me,
Bejam lá, que grande lata*!...

Ó meu rico Santantónio,
Demonico de mulhere
Que me deste em matrimónio!...
Mais balia mandar-me... rezare*!

*(Perdoem-me as rimas tortas,
Qu'isto de rimar tem "quês"...
Mariiiiia!!!, tira-m'as botas
Que já me doiem os pés!...)

- olha, estas até num me sairam male!!


*republicado, em honra do nosso Santantoninho.
 
Balha-me Deuz, Santantónio!...*

ah, verde, que te quero verde!

 
ah, verde, se te vejo verde,
que esp’rança o fruto tem de mim,
e tudo o que me é fome e sede
semeio em crença de festim.

ah, verde, se te vejo verde,
sei vivo o gosto de esperar,
e ao vento intento e quero ter-te
orlando aromas de roubar.

ah, verde, que te quero verde,
no livre espanto de viver,
à boca, o bom olhar não perde,
no estio o fruto é de colher.

ah, verde, que te quero verde,
à época no certo tom,
ah, verde tanto quero ver-te...
são figo, que te chamo bom!
 
ah, verde, que te quero verde!

Depois de ti, poema...

 
Enquanto a vida me doa
esta arte de escrever,
sou o poema primeiro,
depois... resta-me morrer.
 
Depois de ti, poema...

HOJE DESA(T)FINO

 
Desculpem-me os poetas de eleição
(ou os pseudo-poetas que o são...),
não encontro poesia em artifícios
de palavras rebuscadas sem sentido
que lhes valha a palavra sentimento!
Perdoem-me...
Talvez eu esteja aquém do alcançar,
velho da praia em desdém do além-mar,
mas não vislumbro emoção no desbravar
de metáforas construídas em charadas,
peças soltas que não dão para encaixar
num sentido mensageiro e condutor...
Perdoem-me, serei eu a parte inculta,
mas peco se me perco nas entranhas
enfatuadas de ardilosas artimanhas
disfarçadas de palavras ostensivas,
imprecisas, descabidas,
que, espremidas,
nada dizem do que eles querem dizer,
ou sequer do que eles dizem querer,
ou se dizem...
vá lá o diabo entender!?...
Ainda assim, eu pecador me confesso,
ainda acho,
ainda penso,
que há teclas tão batidas em tormento,
que, lamento,
pobres teclas,
não vão durar grande tempo!...
 
HOJE DESA(T)FINO

COCHICHOS

 
COCHICHOS
 
COCHICHOS... (acrescente um...)

"-O meu amor diz que sou
A cantiga do seu eco..."

"-Ai!... o meu já me mandou
Buscar água sem caneco!"

****

"-Esta gente atrevida
Quer saber de que falamos!...

_Ai, nem nós sabemos, querida,
e há séculos que aqui estamos!..."


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"-Estou cansada minha amiga de ser fotografada; esta gentinha não deve ter mais que fazer. Imagina tu com esta crise nós aqui a dar àgua sem caneco e eles feitos fantoches ainda aplaudem o boneco.

- Há séculos que não dizias coisa tão acertada, faz pose aí vem mais um, ahahaha." - ConceiçãoB

****

"Fiquei rendida à foto
que me fez lembrar
de quando me ouvia
a mim
e a ele
a soluçar
Nos dias em que me virei
de pernas pro ar
na escadaria que breve
mas tão breve
me levou a santificar
outros lugares." - Ônix

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"Creio mais nos cochichos das pedras,
que esses tais políticos falantes.
Que ornam as palavras e vãs promessas,
quando discursam ou não em palanques." - JoséSilveira

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"Mas que povinho este meu
Não pode ver boa perna
Que esquece o que já bebeu
E vai de novo à taberna.

Estou aqui de corpo inteiro
De pé descalço e ao frio
E aparece o primeiro
Logo me amanda um assobio.

Não tem mulher em casa
Ah! Se fosse homem meu!?
Punha-o debaixo da asa
Porque o qué meu n'é teu." - rosafogo

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- Oh more, diz-me que me amas muito, “disses more”? Diz que me “disses”, “bá lá amore”.
- Oh Maria! Quando é que ganhas juízo! Bem sabes que não posso ficar tanto tempo com os pés na água por causa da minha sinusite, já não basta os cochichos que correm aqui na terra.
- não me metas a língua na orelha, que levas um estalo. Não insistas, bem sabes que sou uma mulher “metro sexual”. - JOÃOSURREAL

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"Sou moça de antigamente
Só mostro até ao joelho
Mas tapo que de repente
Só aparece aqui velho.

Mas se vier moço fino
Mesmo a fumar um cigarro
Logo aí eu desatino
Pois logo nele me amarro

Aqui no velho jardim
Diz-me lá o que fazemos
Olham p'ra ti e p'ra mim
Mas é isso o que queremos?

Ai Lianor força o choro
Que eu vou ali não demoro." - rosafogo

Av. Visconde Guedes Teixeira - Lamego

Av. Visconde Guedes Teixeira - Lamego
(foto de João Almeida Santos em http://olhares.aeiou.pt/lamego_3_foto1265744.html)

Esta estátua, num jardim de Lamego, já suscitou inúmeros "cochichos"... possíveis diálogos entre as duas "Lianores, que foram à fonte descalças pela verdura..." ...Diálogos mais ou menos jocosos, mais ou menos brejeiros, mais ou menos satíricos, mais ou menos românticos... O desafio aqui é arriscar mais um... Há sempre espaço para a imaginação!
 
COCHICHOS

Sim_tu

 
pergunto-me se os meses sabem chorar...

que são lágrimas, afinal?,
se o que me dói
não é só Dezembro,
não é só Natal,
é antes o frio que me mói por dentro,
enquanto lá fora as chuvas escorrem
na face dos anjos que sabem sorrir
mesmo quando morrem.

respondo que o tempo ainda sabe sentir...
 
Sim_tu

MENINA-DOS-OLHOS

 
Os meus olhos são de cor indefinida.
Um pouco de sol com um tanto de sal,
Um toque de azul, em tinta dilúida,
Outro tanto em esperança, de verde noval.

Os meus olhos são os espelhos da terra,
Têm da cor, tudo o que o encanto alcança,
E o brilho todo que coroa a serra,
Quando o sol do dia, à tarde, já se cansa...

Os meus olhos são dois godés pequeninos
Onde misturo as tintas que se derramam
Nas paisagens onde se semeiam vinhos,
E no meu rio, onde terra e céu se amam.

Os meus olhos são de cor indefinida,
Fiel mescla de amenos semitons,
Paleta cromática, d'ouro tingida,
Onde rio e terra confundem os dons...
 
MENINA-DOS-OLHOS

Caldo d' ontem à noite

 
Concedo-me um tempo inútil
sempre que cedo ao pesar
de ter tomado por fútil
o tempo que vi passar.

Se passou, já é passado,
já não se pesa em arráteis,
do vinho já entornado
só sobram olores voláteis:

Não embriagam nem matam
a sede que nos ficou
ou a vontade adiada.

Dos medos que nos empatam,
reste em paz o que finou,
que já nasce a madrugada...
 
Caldo d' ontem à noite

BALHA-ME DEUS, SANT'ANTÓNIO!...

 
BALHA-ME DEUS, SANTANTÓNIO!...

Há milagres, Santo Antóino,
Mais balia num se fazerim,
Atão desteze-me um demoino
Nas bezes duma mulheri?...

Anaifou-se de donzela,
Até fingiu dar-me luta!,
E eu caí na esparrela -
Saíu-me foi uma bruxa*!

Quis conhecer minha eira,
Elogiou o meu malho,
Depois feze-se foi ronceira,
Quer na cama o binho e o caldo*!

Foi logo arrastando a asa
(d'anjo torto, poiz atão!),
Mas quem se queimou na brasa -
Foi aqui este... fulano*!

Primeiro fingiu deixar-me
Pôr-lhe cabresto e estaca,
Nos óspois quis comandar-me,
Beijam lá, que granda lata*!...

Ó meu rico Santantónio,
Demonico de mulhere
Que me desteze im matrimónio!...
Mais balia mandarz-me... rezare*!

*(Perdoem-me as rimas tortas,
Qu'isto de rimar tem "quêis"...
"Mariiiiia!!!, tira-m'as botas
Que já me doiem os péis!...")

(olha, estas até num me sairam nada male!!...)
 
BALHA-ME DEUS, SANT'ANTÓNIO!...

Flores do campo

 
Trono de cristal à rosa,
Água fresca à sede pura
E à flor silvestre e mimosa
O chão simples da candura
 
Flores do campo

Assimcumassim

 
Assim como assim

Lavo aí as minhas mãos
nessa água que não bebo
mas recomendo ao mancebo
ao menino e ao ancião.

Assim como assim

Não lá vou nem faço minga
que o desfaça quem lá for
estou cansado, por favor:
-Pra mim... uma boa pinga!

Assim como assim

O hábito não faz o monge,
mas o uso torna a lei...
por não querer ir mais longe,
escusem o que falei!
 
Assimcumassim

tranças D'ouro e vestido de chita

 
Ainda os rios eram inalcançáveis
e as colinas, o mar tão perto
...
Ainda o chocolate quente sabia a doce
e os sincelos a maçãs de junho antigo
...
Ainda eu
pequena e tímida
tinha a inocência efémera das boninas
...
Ainda eu
aqui e agora
cabendo no meu vestido de menina.
 
tranças D'ouro e vestido de chita

TINO CERTO

 
Já não preciso esquecer-te,
pois me lembrei que esqueci
há muito tempo esta arte
de guardar o que sofri.

Já não preciso lembrar-me
que o amor tem volta e ida,
pois comigo tenho a arma
do esquecer próprio da vida.

Recordar é estar desperto,
se o passado adormeceu,
concordar que o tino certo
é o que a exp'riência nos deu.

Já nem preciso esquecer-me
que de ti ainda lembro,
passa a lição por saber-me
que nasço em cada Dezembro...
 
TINO CERTO

HOJE NASCI...

 
Hoje nasci...

filha de um tempo
de outros tempos,
rosa em aberto
ao vento incerto,
pétala solta
e aqui me volto
nas flores que invento
rosa-dos-ventos...
passei em brisas
e chorei risos,
do sol a pique
roubei despiques
e fui outono,
caí dos sonhos
folha à deriva
em dança d'uivos
de ares agrestes...
e o que me reste
que venha brando,
em neve branca
de flocos frios,
os curtos dias

que não vivi...

(ainda)
 
HOJE NASCI...

DESAFINAÇÃO

 
A sonhar dedilho acordes
Que imitam risos felizes,
Mas, ai!, sempre qu'acordo
A música perde matizes!...
 
DESAFINAÇÃO

Soneto pirraça

 
Faço poemas a eito,
A direito e a torcido,
Quero lá saber se é jeito
O que me empurra o umbigo!

Escrevo o que sei e quero,
Quero lá saber se caio
No goto dos que não espero
Que me leiam o que valho!

Mas sei que escrevo direito
'Inda que por linhas tortas,
À língua tenho respeito.

E mesmo casa sem portas
O que escrevo é mais bem feito
Que os teus palácios que abortas!
 
Soneto pirraça

Se passardes à mansarda...

 
(ainda de donzelas e dulcineias...)

'Se passardes á mansarda'

Ó mui nobre trovador,
S’ eu fizera d’alegria
Pão nosso de cada dia,
Fome me seria a dor!

Pois que de ver-vos não sei
A fartura que me alegra,
E é por esta dura regra
Que à vã tristeza me dei…

Ó mui nobre trovador,
Se passardes à mansarda
Onde o meu canto já tarda…
Pelejai por meu amor,

Que me querem já senhora
De quintais d'um outro amo…
Mas até morrer vos chamo -
Não vos vades já embora!...

parece que fiquei contagiada... isto cura-se com quê?...
 
Se passardes à mansarda...

DEZ-A-FIO

 
J'amassaste o pão há horas,
Está pronto a meter ó forno,
Bê lá tu se não demoras,
Que estou a ficar com sono!

J'amassei o pão há horas,
Mas ainda num está lêbado,
Chegas a casa a desoras,
E inda por cima bens bêbado!?...

Ó mulher, num benho nada!,
Com esta já lá bão três,
Faz lá tu a quarta quadra,
Qu'inda consigo ir às dez!...

Ó homem, num faço nada,
Qu'o pão cresce na gamela,
Ajuda-me aqui co'a fornada,
Que tenho mãos de donzela...

Pra isso tens que tender
A broa bem 'farinhada,
Depois ajudo-te a meter
A pá bem endireitada.

Pra isso tens qu'aquecer
O forno no ponto certo,
Põe mas é lá isso a arder,
Gosto do forno desperto!

Ai, mulher, num aguento,
Já lá bai longa a faina,
Já trabalhei tanto tempo,
E tu inda queres mais lanha!?...

Ai, homem, num t'aguento!
Queres ou não ca côdea estale?
O pão cozido no ponto,
Dize lá, quanto num bale?...

Tás-me a ficar entendida,
Sim, senhor, lucro teria,
Se te montasse, querida,
Uma bela padaria!...

Tás-me a ficar atrebido!...
Olha, já queimaste a pá!
E agora?... o pão tendido...
E metê-lo...já num dá!!!

(Num te queixes, ó mulher,
A seguir ó dez bem onze,
Bou já outra pá fazer
E começamos no doze!...)
 
DEZ-A-FIO

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Voltar...
 
(ao fundo, o Marão, aos pés, a barragem do Varosa, e, escondido nas pregas do vale da Régua, o Douro líquido...)

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lembra-me as cores das manhãs
em festejos musicados
pelas alegrias sãs
dos pássaros já em alerta
e p'los sinos embalados
de avé-marias despertas.

lembra-me o cheiro da terra
ao calor do meio dia
e o ecoar lá na serra
dum chamado às redondezas,
avisando que a Maria
já tem o comer na mesa.

lembra-me a brisa que vinha
do Marão à minha rua,
saltando rios e vinhas,
para acalmar os suores
d'estafas de sol a lua
em beijos reparadores.

lembra-me ouros de sol-pôr,
no Douro a derreter-se,
a jusante de um amor
amealhado às trindades
num recolher de uma prece,
pelo anoitecer das tardes.

(foto de Eduardo Cândido em http://olhares.aeiou.pt/em_frente_o_marao_foto1855272.html) - O olhar da minha terra
 
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T.T