O CAVALEIRO INEXISTENTE - Italo Calvino

Data 26/08/2009 19:17:46 | Tópico: Textos

Acabei de ler Italo Calvino, O Cavaleiro Inexistente, o livro é simples, tão simples que pode ser lido por qualquer um e achado como um belo conto, fez-me lembrar em certos momentos de Zadig, de Voltaire, pelo menos no aparente desinteresse com que se mostram traçados.
O Cavaleiro Inexistente, fim da trilogia Os Nossos Antepassados, apresenta Carlos Magno numa das suas campanhas, sem sentido, o que percebemos posteriormente através de uma batalha com uma decorrência sem lugar e sem sentido, rodeado de personagens tão reais como fantásticos, uma alegoria fabulosa e bem divertida, podendo-se situar entre a política, a religião, o dia-a-dia e o comum, e pode, de igual modo, abarcá-los a todos.
Carlos Magno não é o foco do livro, mas uns tantos personagens caricatos: um cavaleiro que não existe, mas que não estranha a ninguém, pois está ali e não precisa de existir para que o conheçam; um escudeiro que não sabe se existe, que julga que é tudo o que vê, menos ele próprio; uma mulher que não quer mais nenhum homem, apenas o cavaleiro que não existe, e que para isso entra em guerras sangrentas e batalha até melhor que muitos homens; um ingénuo que quer vingar a morte do pai e se apaixona pela nossa mulher perdida; e um sensato, o único que consegue contestar a (in)existência do cavaleiro… Ah, ainda temos uma freira aborrecida, que nos conta essa história, dizendo ser a sua penitência, não uma vontade de alcançar a glória dos cronistas. Enfim, estas seis personagens conseguem resumir o absurdo das nossas buscas e da forma como temos confundido as nossas certezas.
Eu podia estabelecer várias comparações entre O Cavaleiro Inexistente e a nossa existência, mas não o faço, só recomendo o livro, com garantia de que é uma bela leitura, senão pela sua profundidade, pela sua simplicidade. Vou transcrever uma passagem:

[...]Assim, desde sempre, o jovem corre para a mulher: mas é bem o amor que ela lhe inspira? Ou não é antes o amor por ele próprio, a busca de uma certeza de existir que só a mulher lhe pode dar? Corre e enamora-se o jovem, duvidando de si mesmo, feliz e desesperado; para ele a mulher é esta presença incontestável, e só ela pode dar-lhe a prova desejada. Mas também a mulher está e não está ali: ei-la, assim como ele, ansiosa e insegura. Como é que o jovem não se apercebe disso? Que importa qual entre os dois é o mais forte ou o mais fraco? Estão à mesma altura. Mas o jovem não sabe porque não quer saber: o que ela deseja, avidamente, é a mulher que existe, a mulher indubitável. Ela ao contrário sabe mais coisas; ou menos; de qualquer forma sabe outras coisas.[...]

[...]Começa-se a escrever com todo o ânimo, mas chega a uma altura em que a pena não risca mais que uma gota poeirenta e não escorre nem uma de vida. E a vida está toda lá fora, para além da janela, longe de ti, e parece que nunca mais poderás refugiar-te na página que escreveste, abrir um outro mundo e lançar-te nele. Talvez seja melhor assim; talvez, quando escrevia com alegria, não fosse milagre nem graça, mas pecado, idolatria, soberba. Então, estou fora? Não, escrevendo não me tornei melhor, apenas dissipei um pouca, a ansiosa e inconsciente juventude. Que me valerão estas páginas descontentes? O livro, o voto, não valerão mais do que tu? Nunca disse que escrevendo se salva a alma. Escreve, escreve, e a tua alma já está perdida.
[...]


Enfim, excedi-me, mas resumindo, o livro é um espectáculo literário, e quem nunca o leu deve fazê-lo, que terá bem usado o seu tempo.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=96375