João Cabral de Melo Neto : Como a Morte se Infiltra
em 04/10/2008 16:50:00 (4926 leituras)
João Cabral de Melo Neto

Como a Morte se Infiltra
João Cabral de Melo Neto
Certo dia, não se levanta
porque quer demorar na cama.

No outro dia ele diz por que:
é porque lhe dói algum pé.

No outro dia o que dói é a perna,
E nem pode apoiar-se nela.

Dia a dia lhe cresce um não,
um enrodilhar-se de cão.

Dia a dia ele aprende o jeito
em que menos lhe pesa o leito.

Um dia faz fechar as janelas:
dói-lhe o dia lá fora delas.

Há um dia em que não se levanta:
deixa-o para a outra semana,

Outra semana sempre adiada,
que ele não vê por que apressá-la.

Um dia passou vinte e quatro horas
incurioso do que é de fora.

Outro dia já não distinguiu
noite e dia, tudo é vazio.

Um dia, pensou: respirar,
eis um esforço que se evitar.

Quem deixou-o, a respiração ?
Muda de cama. Eis seu caixão



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Enviado por Tópico
jessébarbosadeolivei
Publicado: 04/10/2008 18:05  Atualizado: 04/10/2008 18:05
Da casa!
Usuário desde: 14/09/2008
Localidade: SALVADOR, Bahia ---- BRASIL
Mensagens: 368
 Re: Como a Morte se Infiltra
aqui, joão nos descerra os sortilégios da morte,
sempre mineralmente.

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