O Universo (Paráfrase) |
em 06/10/2007 20:40:00 (14778 leituras) |
A Lua:
Sou um pequeno mundo; Movo-me, rolo e danço Por este céu profundo; Por sorte Deus me deu Mover-me sem descanso, Em torno de outro mundo, Que inda é maior do que eu.
A Terra:
Eu sou esse outro mundo; A lua me acompanha, Por este céu profundo . . . Mas é destino meu Rolar, assim tamanha, Em torno de outro mundo, Que inda é maior do que eu.
O Sol:
Eu sou esse outro mundo, Eu sou o sol ardente! Dou luz ao céu profundo . . . Porém, sou um pigmeu, Quer rolo eternamente Em torno de outro mundo, Que inda é maior do que eu.
O Homem:
Por que, no céu profundo, Não há-de parar mais O vosso movimento? Astros! qual é o mundo, Em torno ao qual rodais Por esse firmamento?
Todos os Astros:
Não chega o teu estudo Ao centro disso tudo, Que escapa aos olhos teus! O centro disso tudo, Homem vaidoso, é Deus!
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A um poeta |
em 06/10/2007 20:40:00 (32382 leituras) |
Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego
Não se mostre na fábrica o suplicio Do mestre. E natural, o efeito agrade Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade.
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Versos Íntimos |
em 06/10/2007 20:40:00 (11848 leituras) |
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão — esta pantera — Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!
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Ceticismo |
em 06/10/2007 20:40:00 (7615 leituras) |
Desci um dia ao tenebroso abismo, Onde a dúvida ergueu altar profano; Cansado de lutar no mundo insano, Fraco que sou, volvi ao ceticismo.
Da Igreja - a Grande Mãe - o exorcismo Terrível me feriu, e então sereno, De joelhos aos pés do Nazareno Baixo rezei, em fundo misticismo:
- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa! Se esta dúvida cruel qual me magoa Me torna ínfimo, desgraçado réu. Ah, entre o medo que o meu Ser aterra, Não sei se viva p’ra morrer na terra, Não sei se morra p’ra viver no Céu!
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O deus-verme |
em 06/10/2007 20:40:00 (22533 leituras) |
Factor universal do transformismo. Filho da teleológica matéria, Na superabundância ou na miséria, Verme — é o seu nome obscuro de batismo.
Jamais emprega o acérrimo exorcismo Em sua diária ocupação funérea, E vive em contubérnio com a bactéria, Livre das roupas do antropomorfismo.
Almoça a podridão das drupas agras, Janta hidrópicos, rói vísceras magras E dos defuntos novos incha a mão...
Ah! Para ele é que a carne podre fica, E no inventário da matéria rica Cabe aos seus filhos a maior porção!
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Meus oito anos |
em 06/10/2007 20:40:00 (57187 leituras) |
Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias Do despontar da existência! — Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é — lago sereno, O céu — um manto azulado, O mundo — um sonho dourado, A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida, Que noites de melodia Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar! O céu bordado d'estrelas, A terra de aromas cheia As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã! Em vez das mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minhã irmã!
Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito, Da camisa aberta o peito, — Pés descalços, braços nus — Correndo pelas campinas A roda das cachoeiras, Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos Ia colher as pitangas, Trepava a tirar as mangas, Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo. Adormecia sorrindo E despertava a cantar!
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Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! — Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras A sombra das bananeiras Debaixo dos laranjais!
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A valsa |
em 06/10/2007 20:40:00 (50601 leituras) |
Tu, ontem, Na dança Que cansa, Voavas Co'as faces Em rosas Formosas De vivo, Lascivo Carmim; Na valsa Tão falsa, Corrias, Fugias, Ardente, Contente, Tranqüila, Serena, Sem pena De mim!
Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!...
Valsavas: — Teus belos Cabelos, Já soltos, Revoltos, Saltavam, Voavam, Brincavam No colo Que é meu; E os olhos Escuros Tão puros, Os olhos Perjuros Volvias, Tremias, Sorrias, P'ra outro Não eu!
Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!...
Meu Deus! Eras bela Donzela, Valsando, Sorrindo, Fugindo, Qual silfo Risonho Que em sonho Nos vem! Mas esse Sorriso Tão liso Que tinhas Nos lábios De rosa, Formosa, Tu davas, Mandavas A quem ?!
Quem dera Que sintas As dores De arnores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas,.. — Eu vi!...
Calado, Sózinho, Mesquinho, Em zelos Ardendo, Eu vi-te Correndo Tão falsa Na valsa Veloz! Eu triste Vi tudo!
Mas mudo Não tive Nas galas Das salas, Nem falas, Nem cantos, Nem prantos, Nem voz!
Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti!
Quem dera Que sintas!... — Não negues Não mintas... — Eu vi!
Na valsa Cansaste; Ficaste Prostrada, Turbada! Pensavas, Cismavas, E estavas Tão pálida Então; Qual pálida Rosa Mimosa No vale Do vento Cruento Batida, Caída Sem vida. No chão!
Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... Eu vi!
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Infância |
em 06/10/2007 20:31:13 (9851 leituras) |
Um gosto de amora comida com sol. A vida chamava-se "Agora". |
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Nós |
em 06/10/2007 20:29:37 (18747 leituras) |
Fico - deixas-me velho. Moça e bela, partes. Estes gerânios encarnados, que na janela vivem debruçados, vão morrer debruçados na janela.
E o piano, o teu canário tagarela, a lâmpada, o divã, os cortinados: - "Que é feito dela?" - indagarão - coitados! E os amigos dirão: - "Que é feito dela?"
Parte! E se, olhando atrás, da extrema curva da estrada, vires, esbatida e turva, tremer a alvura dos cabelos meus;
irás pensando, pelo teu caminho, que essa pobre cabeça de velhinho é um lenço branco que te diz adeus! |
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Hora de ter saudade |
em 06/10/2007 20:25:21 (7111 leituras) |
Houve aquele tempo... (E agora, que a chuva chora, ouve aquele tempo!)
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O haicai |
em 06/10/2007 20:24:27 (3833 leituras) |
Lava, escorre, agita a areia. E enfim, na bateia, fica uma pepita.
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Fonógrafo |
em 06/10/2007 15:20:00 (5388 leituras) |
Vai declamando um cómico defunto. Uma plateia ri,perdidamente, Do bom jarreta...E há um odor no ambiente A cripta e o pó,- do anacrónico assunto.
Muda o registo,eis uma barcarola: Lírios,lírios,águas do rio,a lua. Ante o Seu corpo o sonho meu flutua Sobre um paul,- extática corola.
Muda outra vez os gorgeios,estribilhos Dum clarim de oiro - o cheiro dos junquilhos, Vívido e agro!- tocando a alvorada...
Cessou.E,amorosa,a alma das cornetas Quebra-se agora orvalhada e velada, Primavera. Manhã. Que eflúvio de violetas!
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Trova |
em 05/10/2007 17:30:00 (4324 leituras) |
Coração que bate-bate... Antes deixes de bater! Só num relógio é que as horas Vão passando sem sofrer.
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Fio |
em 05/10/2007 17:20:00 (7218 leituras) |
No fio da respiração, rola a minha vida monótona, rola o peso do meu coração.
Tu não vês o jogo perdendo-se como as palavras de uma canção.
Passas longe, entre nuvens rápidas, com tantas estrelas na mão...
— Para que serve o fio trêmulo em que rola o meu coração?
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Discurso |
em 05/10/2007 17:20:00 (7703 leituras) |
E aqui estou, cantando.
Um poeta é sempre irmão do vento e da água: deixa seu ritmo por onde passa.
Venho de longe e vou para longe: mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes andaram.
Também procurei no céu a indicação de uma trajetória, mas houve sempre muitas nuvens. E suicidaram-se os operários de Babel.
Pois aqui estou, cantando.
Se eu nem sei onde estou, como posso esperar que algum ouvido me escute?
Ah! Se eu nem sei quem sou, como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
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Onde Estás? |
em 05/10/2007 16:20:58 (16498 leituras) |
É meia-noite... e rugindo Passa triste a ventania, Como um verbo de desgraça, Como um grito de agonia. E eu digo ao vento, que passa Por meus cabelos fugaz: "Vento frio do deserto, Onde ela está? Longe ou perto?" Mas, como um hálito incerto, Responde-me o eco ao longe: "Oh! minh'amante, onde estás?. . .
Vem! É tarde! Por que tardas? São horas de brando sono, Vem reclinar-te em meu peito Com teu lânguido abandono! ... 'Stá vazio nosso leito... 'Stá vazio o mundo inteiro; E tu não queres qu'eu fique Solitário nesta vida... Mas por que tardas, querida?... Já tenho esperado assaz... Vem depressa, que eu deliro Oh! minh'amante, onde estás? ...
Estrela — na tempestade, Rosa — nos ermos da vida; lris — do náufrago errante, Ilusão — d'alma descrida! Tu foste, mulher formosa! Tu foste, ó filha do céu! ... ... E hoje que o meu passado Para sempre morto jaz... Vendo finda a minha sorte, Pergunto aos ventos do Norte... "Oh! minh'amante, onde estás?..." |
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O Coração |
em 05/10/2007 12:56:36 (17841 leituras) |
O coração é o colibri dourado Das veigas puras do jardim do céu. Um — tem o mel da granadilha agreste, Bebe os perfumes, que a bonina deu.
O outro — voa em mais virentes balças, Pousa de um riso na rubente flor. Vive do mel — a que se chama — crenças —, Vive do aroma — que se diz — amor. — |
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Soneto de separação |
em 05/10/2007 12:40:00 (7381 leituras) |
De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.
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Bilhete |
em 05/10/2007 12:40:00 (7818 leituras) |
Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
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O Laço de Fita |
em 05/10/2007 00:35:08 (51657 leituras) |
Não sabes, criança? 'Stou louco de amores... Prendi meus afetos, formosa Pepita. Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?! Não rias, prendi-me Num laço de fita.
Na selva sombria de tuas madeixas, Nos negros cabelos da moça bonita, Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem, Formoso enroscava-se O laço de fita.
Meu ser, que voava nas luzes da festa, Qual pássaro bravo, que os ares agita, Eu vi de repente cativo, submisso Rolar prisioneiro Num laço de fita.
E agora enleada na tênue cadeia Debalde minh'alma se embate, se irrita... O braço, que rompe cadeias de ferro, Não quebra teus elos, Ó laço de fita!
Meu Deusl As falenas têm asas de opala, Os astros se libram na plaga infinita. Os anjos repousam nas penas brilhantes... Mas tu... tens por asas Um laço de fita.
Há pouco voavas na célere valsa, Na valsa que anseia, que estua e palpita. Por que é que tremeste? Não eram meus lábios... Beijava-te apenas... Teu laço de fita.
Mas ai! findo o baile, despindo os adornos N'alcova onde a vela ciosa... crepita, Talvez da cadeia libertes as tranças Mas eu... fico preso No laço de fita.
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale Abrirem-me a cova... formosa Pepital Ao menos arranca meus louros da fronte, E dá-me por c'roa... Teu laço de fita. |
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Viagem |
em 03/10/2007 21:00:00 (5022 leituras) |
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revôlta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
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O maior bem |
em 30/09/2007 15:40:00 (9435 leituras) |
Este querer-te bem sem me quereres, Este sofrer por ti constantemente Andar atrás de ti sem tu me veres Faria piedade a toda a gente.
Mesmo a beijar-me a tua boca mente... Quantos sangrentos beijos de mulheres Poisa na minha a tua boca ardente, E quanto engano nos seus vãos dizeres!...
Mas que me importa a mim que me não queiras. Se esta pena, esta dor, estas canseiras, Este mísero pungir, árduo e profundo
Do teu frio desamor, dos teus desdéns, E, na vida, o mais alto dos meus bens? É tudo quanto eu tenho neste mundo?
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Morro do que há no mundo |
em 28/09/2007 16:10:00 (4607 leituras) |
Morro do que há no mundo: do que vi, do que ouvi. Morro do que vivi. Morro comigo, apenas: com lembranças amadas, porém desesperadas. Morro cheia de assombro por não sentir em mim nem princípio nem fim. Morro: e a circunferência fica, em redor, fechada. Dentro sou tudo e nada.
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Confissão |
em 28/09/2007 16:10:00 (9003 leituras) |
Não amei bastante meu semelhante, não catei o verme nem curei a sarna. Só proferi algumas palavras, melodiosas, tarde , ao voltar da festa.
Dei sem dar e beijei sem beijo. (Cego é talvez quem esconde os olhos embaixo do catre.) E na meia-luz tesouros fanam-se, os mais excelentes.
Do que restou, como compor um homem e tudo o que ele implica de suave, de concordâncias vegetais, múrmurios de riso, entrega, amor e piedade?
Não amei bastante sequer a mim mesmo, contudo próximo. Não amei ninguém. Salvo aquele pássaro -vinha azul e doido- que se esfacelou na asa do avião.
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A uma rapariga |
em 28/09/2007 16:00:00 (8034 leituras) |
Abre os olhos e encara a vida! A sina Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes! Por sobre lamaçais alteia pontes Com tuas mãos preciosas de menina.
Nessa estrada da vida que fascina Caminha sempre em frente, além dos montes! Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes! Beija aqueles que a sorte te destina!
Trata por tu a mais longínqua estrela, Escava com as mãos a própria cova E depois, a sorrir, deita-te nela!
Que as mãos da terra façam, com amor, Da graça do teu corpo, esguia e nova, Surgir à luz a haste de uma flor!...
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Além da terra. além do céu |
em 28/09/2007 16:00:00 (20137 leituras) |
Além da Terra, além do Céu, no trampolim do sem-fim das estrelas, no rastro dos astros, na magnólia das nebulosas. Além, muito além do sistema solar, até onde alcançam o pensamento e o coração, vamos! vamos conjugar o verbo fundamental essencial, o verbo transcendente, acima das gramáticas e do medo e da moeda e da política, o verbo sempreamar, o verbo pluriamar, razão de ser e de viver.
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A Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios |
em 27/09/2007 22:20:00 (5653 leituras) |
A Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios
Camões, grande Camões, quão semelhante Acho teu fado ao meu quando os cotejo! Igual causa nos fez perdendo o Tejo Arrostar co sacrílego gigante:
Como tu, junto ao Ganges sussurrante Da penúria cruel no horror me vejo; Como tu, gostos vãos, que em vão desejo, Também carpindo estou, saudoso amante:
Lubíbrio, como tu, da sorte dura, Meu fim demando ao Céu, pela certeza De que só terei paz na sepultura:
Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!... Se te imito nos transes da ventura, Não te imito nos dons da natureza.
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A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro |
em 27/09/2007 22:20:00 (6718 leituras) |
Da triste, bela Inês, inda os clamores Andas, Eco chorosa, repetindo; Inda aos piedosos Céus andas pedindo Justiça contra os ímpios matadores;
Ouvem-se inda na Fonte dos Amores De quando em quando as náiades carpindo; E o Mondego, no caso reflectindo, Rompe irado a barreira, alaga as flores:
Inda altos hinos o universo entoa A Pedro, que da morte formosura Convosco, Amores, ao sepulcro voa:
Milagre da beleza e da ternura! Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa A malfadada Inês na sepultura.
Bocage
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O amor antigo |
em 27/09/2007 17:10:00 (23039 leituras) |
O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige, nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza. Por aquelas mergulha no infinito, e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona aquilo que foi grande e deslumbrante, o antigo amor, porém, nunca fenece e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança. Mais triste? Não. Ele venceu a dor, e resplandece no seu canto obscuro, tanto mais velho quanto mais amor.
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Destruição |
em 27/09/2007 17:00:00 (8052 leituras) |
Os amantes se amam cruelmente e com se amarem tanto não se vêem. Um se beija no outro, refletido. Dois amantes que são? Dois inimigos.
Amantes são meninos estragados pelo mimo de amar: e não percebem quanto se pulverizam no enlaçar-se, e como o que era mundo volve a nada.
Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma que os passeia de leve, assim a cobra se imprime na lembrança de seu trilho.
E eles quedam mordidos para sempre. deixaram de existir, mas o existido continua a doer eternamente.
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O seu santo nome |
em 27/09/2007 16:50:00 (6149 leituras) |
Não facilite com a palavra amor. Não a jogue no espaço, bolha de sabão. Não se inebrie com o seu engalanado som. Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro). Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra. Não a pronuncie.
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Em Hydra, evocando Fernando Pessoa |
em 21/09/2007 15:57:48 (3495 leituras) |
Quando na manhã de Junho o navio ancorou em Hydra (E foi pelo som do cabo a descer que eu soube que ancorava) Saí da cabine e debrucei-me ávida sobre o rosto do real - mais preciso e mais novo do que o imaginado
Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto Ante a meticulosa limpidez dessa manhã num porto de uma ilha grega
Murmurei o teu nome O teu ambíguo nome
Invoquei a tua sombra transparente e solene Como esguia mastreação de veleiro E acreditei firmemente que tu vias a manhã Porque a tua alma foi visual até aos ossos Segundo a lei de máscara do teu nome
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Odalisca |
em 21/09/2007 15:51:40 (4169 leituras) |
Contam que se entrega aos ventos favoráveis do amor. Estátua de mármores nocturnos, assistiu a uma debandada de desejos na pele dos amantes. No olhar calcinado pela espera, derrama-se o fogo já frio das vésperas inúteis. Para que lhe servem os braços, agora que todos partiram, e só uma corrente de silêncio a prende ao leito?
No entanto, deito-me com ela. Um degelo de pálpebras limpa-nos de uma cinza de solidão. E diz-me: «Quero perder-me numa encruzilhada de abraços; afogar-me num poço de gemidos; esquecer-me de mim no fundo da tua memória.» Deixo-a entregue a si própria; e pergunto o que fazer do calor dos seus lábios, da ânsia que os seus dedos soltam, do tempo que estremece no seu corpo?
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Amar |
em 21/09/2007 14:00:00 (14416 leituras) |
Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: aqui... além... Mais este e aquele, o outro e a toda gente... Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disse que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar.
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que eu saiba me perder... pra me encontrar...
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Soneto do amor total |
em 21/09/2007 14:00:00 (7789 leituras) |
Amo-te tanto meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude.
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Quero |
em 21/09/2007 13:52:35 (16649 leituras) |
Quero que todos os dias do ano todos os dias da vida de meia em meia hora de 5 em 5 minutos me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo, creio, no momento, que sou amado. No momento anterior e no seguinte, como sabê-lo? Quero que me repitas até a exaustão que me amas que me amas que me amas. Do contrário evapora-se a amação pois ao não dizer: Eu te amo, desmentes apagas teu amor por mim. Exijo de ti o perene comunicado. Não exijo senão isto, isto sempre, isto cada vez mais. Quero ser amado por e em tua palavra nem sei de outra maneira a não ser esta de reconhecer o dom amoroso, a perfeita maneira de saber-se amado: amor na raiz da palavra e na sua emissão, amor saltando da língua nacional, amor feito som vibração espacial. No momento em que não me dizes: Eu te amo, inexoravelmente sei que deixaste de amar-me, que nunca me amastes antes. Se não me disseres urgente repetido Eu te amoamoamoamoamo, verdade fulminante que acabas de desentranhar, eu me precipito no caos, essa coleção de objetos de não-amor.
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Inconstância |
em 21/09/2007 13:50:00 (9091 leituras) |
Procurei o amor, que me mentiu. Pedi à vida mais do que ela dava; Eterna sonhadora edificava Meu castelo de luz que me caiu!
Tanto clarão nas trevas refulgiu, E tanto beijo a boca me queimava! E era o sol que os longes deslumbrava Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer... Atrás do sol dum dia outro a aquecer As brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo É igual a outro amor que vai surgindo, Que há-de partir também... nem eu sei quando...
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Abaixo o mistério da poesia |
em 18/09/2007 23:00:00 (7397 leituras) |
Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio E um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé Para ver quem é, Enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas E correr pelos interstícios das pedras, pressuroso e vivo como vermelhas minhocas Despertas; Enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas, Órfãos de pais e mães, Andarem acossados pelas ruas Como matilhas de cães; Enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto Com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente, Num silêncio de espanto Rasgado pelo grito da sereia estridente; Enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio Cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas Amassando na mesma lama de extermínio Os ossos dos homens e as traves das suas casas; Enquanto tudo isso acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade, Enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia, O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA
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O sonho |
em 18/09/2007 22:51:18 (12866 leituras) |
Pelo sonho é que vamos, Comovidos e mudos. Chegamos? Não chegamos? Haja ou não frutos, Pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos. Basta a esperança naquilo Que talvez não teremos. Basta que a alma demos, Com a mesma alegria, ao que é do dia-a-dia.
Chegamos? Não chegamos?
-Partimos. Vamos. Somos.
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Conselho |
em 16/09/2007 13:50:00 (6022 leituras) |
Sê paciente; espera que a palavra amadureça e se desprenda como um fruto ao passar o vento que a mereça.
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Meio-dia |
em 16/09/2007 13:44:20 (3635 leituras) |
Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém. O sol no alto, fundo, enorme, aberto, Tornou o céu de todo o deus deserto. A luz cai implacável como um castigo. Não há fantasmas nem almas, E o mar imenso solitário e antigo, Parece bater palmas. |
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Apagar-me |
em 13/09/2007 22:32:32 (12391 leituras) |
apagar-me diluir-me desmanchar-me até que depois de mim de nós de tudo não reste mais que o charme |
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Um poema |
em 13/09/2007 22:32:04 (6075 leituras) |
um poema que não se entende é digno de nota
a dignidade suprema de um navio perdendo a rota
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Moinho de versos |
em 13/09/2007 22:31:39 (14760 leituras) |
moinho de versos movido a vento em noites de boémia
vai vir o dia quando tudo que eu diga seja poesia
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Poema que aconteceu |
em 12/09/2007 23:15:24 (10681 leituras) |
Nenhum desejo neste domingo nenhum problema nesta vida o mundo parou de repente os homens ficaram calados domingo sem fim nem começo.
A mão que escreve este poema não sabe o que está escrevendo mas é possível que se soubesse nem ligasse.
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A noite na ilha |
em 12/09/2007 12:10:00 (4313 leituras) |
Dormi contigo a noite inteira junto ao mar, na ilha. Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono, entre o fogo e a água. Talvez bem tarde os nossos sonos se uniram na altura e no fundo, em cima como ramos que um mesmo vento move, em baixo como raízes vermelhas que se tocam. Talvez o teu sono se separou do meu e pelo mar escuro me procurava como antes, quando nem existias, quando sem te enxergar naveguei a teu lado e teus olhos buscavam o que agora - pão, vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos, porque tu és a taça que só esperava os dons da minha vida. Dormi junto contigo a noite inteira, enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos, de repente desperto e no meio da sombra o meu braço rodeava a tua cintura. Nem a noite nem o sonho puderam nos separar. Dormi contigo, amor, despertei, e a tua boca saída do teu sono deu-me o sabor da terra, de água-marinha, de algas, de tua íntima vida, e recebi o teu beijo molhado pela aurora como se me chegasse do mar que nos rodeia.
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Desencontrários |
em 12/09/2007 12:04:23 (16725 leituras) |
Mandei a palavra rimar, ela não me obedeceu. Falou em mar, em céu, em rosa, em grego, em silêncio, em prosa. Parecia fora de si, a sílaba silenciosa. Mandei a frase sonhar, e ela se foi num labirinto. Fazer poesia, eu sinto, apenas isso. Dar ordens a um exército, para conquistar um império extinto.
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Tortura |
em 12/09/2007 00:20:00 (6220 leituras) |
"Tirar dentro do peito a Emoçao, A lúcida Verdade, o Sentimento! - E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso de alto pensamento, E puro como um ritmo de oração! - E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavais dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!"
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Em todas as ruas te encontro |
em 11/09/2007 14:20:00 (6589 leituras) |
Em todas as ruas te encontro Em todas as ruas te perco conheço tão bem o teu corpo sonhei tanto a tua figura que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura tanto, tão perto, tão real que o meu corpo se transfigura e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu num rio que desapareceu onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro Em todas as ruas te perco
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Razão de ser |
em 11/09/2007 14:18:28 (16521 leituras) |
Escrevo. E pronto. Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada com isso. Escrevo porque amanhece, E as estrelas lá no céu Lembram letras no papel, Quando o poema me anoitece. A aranha tece teias. O peixe beija e morde o que vê. Eu escrevo apenas. Tem que ter por quê?
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Ora (direis) ouvir estrelas! |
em 06/10/2007 20:40:00 (52449 leituras) |
XIII
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto ...
E conversamos toda a noite, enquanto A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas."
(*) Soneto XIII da obra Via-Láctea
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A árvore da serra |
em 06/10/2007 20:40:00 (13818 leituras) |
— As árvores, meu filho, não têm alma! E esta árvore me serve de empecilho... É preciso cortá-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice calma!
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?! Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! Deus pos almas nos cedros... no junquilho... Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa: «Não mate a árvore, pai, para que eu viva!» E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco, O moço triste se abraçou com o tronco E nunca mais se levantou da terra!
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Vozes da morte |
em 06/10/2007 20:40:00 (9840 leituras) |
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos, Tamarindo de minha desventura, Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos! E a podridão, meu velho! E essa futura Ultrafatalidade de ossatura, A que nos acharemos reduzidos!
Não morrerão, porém, tuas sementes! E assim, para o Futuro, em diferentes Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos, Pelo muito que em vida nos amamos, Depois da morte inda teremos filhos!
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Natureza íntima |
em 06/10/2007 20:40:00 (8014 leituras) |
(Ao filósofo Farias Brito) Cansada de observar-se na corrente Que os acontecimentos refletia, Reconcentrando-se em si mesma, um dia, A Natureza olhou-se interiormente!
Baldada introspecção! Noumenalmente O que Ela, em realidade, ainda sentia Era a mesma imortal monotonia De sua face externa indiferente!
E a Natureza disse com desgosto: "Terei somente, porventura, rosto?! "Serei apenas mera crusta espessa?!
"Pois é possível que Eu, causa do Mundo, "Quanto mais em mim mesma me aprofundo, "Menos interiormente me conheça?!"
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Ouvi, senhora, o cântico sentido |
em 06/10/2007 20:40:00 (4407 leituras) |
Ouvi, senhora, o cântico sentido Do coração que geme e s’estertora N’ânsia letal que o mata e que o devora, E que tornou-o assim, triste e descrido.
Ouvi, senhora, amei; de amor ferido, As minhas crenças que alentei outrora Rolam dispersas, pálidas agora, Desfeitas todas num guaiar dorido.
E como a luz do sol vai-se apagando! E eu triste, triste pela vida afora, Eterno pegureiro caminhando, Revolvo as cinzas de passadas eras, Sombrio e mudo e glacial, senhora, Como um coveiro a sepultar quimeras!
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Que é simpatia |
em 06/10/2007 20:40:00 (20237 leituras) |
Simpatia - é o sentimento Que nasce num só momento, Sincero, no coração; São dois olhares acesos Bem juntos, unidos, presos Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos Banhados de bons orvalhos Nas mangueiras do jardim; Bem longe às vezes nascidos, Mas que se juntam crescidos E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas Que riem no mesmo riso, Que choram nos mesmos ais; São vozes de dois amantes, Duas liras semelhantes, Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho, É o canto de passarinho, É o doce aroma da flor; São nuvens dum céu d'agosto É o que m'inspira teu rosto... - Simpatia - é quase amor!
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Minh'alma é triste |
em 06/10/2007 20:40:00 (29060 leituras) |
Minh'alma é triste como a rola aflita Que o bosque acorda desde o alvor da aurora, E em doce arrulo que o soluço imita O morto esposo gemedora chora.
E, como a rôla que perdeu o esposo, Minh'alma chora as ilusões perdidas, E no seu livro de fanado gozo Relê as folhas que já foram lidas.
E como notas de chorosa endeixa Seu pobre canto com a dor desmaia, E seus gemidos são iguais à queixa Que a vaga solta quando beija a praia.
Como a criança que banhada em prantos Procura o brinco que levou-lhe o rio, Minha'alma quer ressuscitar nos cantos Um só dos lírios que murchou o estio.
Dizem que há, gozos nas mundanas galas, Mas eu não sei em que o prazer consiste. — Ou só no campo, ou no rumor das salas, Não sei porque — mas a minh'alma é triste!
II
Minh'alma é triste como a voz do sino Carpindo o morto sobre a laje fria; E doce e grave qual no templo um hino, Ou como a prece ao desmaiar do dia.
Se passa um bote com as velas soltas, Minh'ahna o segue n'amplidão dos mares; E longas horas acompanha as voltas Das andorinhas recortando os ares.
Às vezes, louca, num cismar perdida, Minh'alma triste vai vagando à toa, Bem como a folha que do sul batida Bóia nas águas de gentil lagoa!
E como a rola que em sentida queixa O bosque acorda desde o albor da aurora, Minha'ahna em notas de chorosa endeixa Lamenta os sonhos que já tive outrora.
Dizem que há gozos no correr dos anos!... Só eu não sei em que o prazer consiste. — Pobre ludíbrio de cruéis enganos, Perdi os risos — a minh'alma é triste!
III
Minh'alma é triste como a flor que morre Pendida à beira do riacho ingrato; Nem beijos dá-lhe a viração que corre, Nem doce canto o sabiá do mato!
E como a flor que solitária pende Sem ter carícias no voar da brisa, Minh'alma murcha, mas ninguém entende Que a pobrezinha só de amor precisa!
Amei outrora com amor bem santo Os negros olhos de gentil donzela, Mas dessa fronte de sublime encanto Outro tirou a virginal capela.
Oh! quantas vezes a prendi nos braços! Que o diga e fale o laranjal florido! Se mão de ferro espedaçou dois laços Ambos choramos mas num só gemido!
Dizem que há gozos no viver d'amores, Só eu não sei em que o prazer consiste! — Eu vejo o mundo na estação das flores Tudo sorri — mas a minh'alma é triste!
IV
Minh'alma é triste como o grito agudo Das arapongas no sertão deserto; E como o nauta sobre o mar sanhudo, Longe da praia que julgou tão perto!
A mocidade no sonhar florida Em mim foi beijo de lasciva virgem: — Pulava o sangue e me fervia a vida, Ardendo a fronte em bacanal vertigem.
De tanto fogo tinha a mente cheia!... No afã da glória me atirei com ânsia... E, perto ou longe, quis beijar a s'reia Que em doce canto me atraiu na infância.
Ai! loucos sonhos de mancebo ardente! Esp'ranças altas... Ei-las já tão rasas!... — Pombo selvagem, quis voar contente... Feriu-me a bala no bater das asas!
Dizem que há gozos no correr da vida... Só eu não sei em que o prazer consiste! — No amor, na glória, na mundana lida, Foram-se as flores — a minh'alma é triste!
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Essa que eu hei de amar… |
em 06/10/2007 20:30:49 (24023 leituras) |
Essa que eu hei de amar perdidamente um dia será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela, que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela, trazer luz e calor a essa alma escura e fria.
E quando ela passar, tudo o que eu não sentia da vida há de acordar no coração, que vela… E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,
quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro, e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro do poente, me dizia adeus, como um sol triste…
E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado, mas ias tão perdido em teu sonho dourado, meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!" |
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O Pensamento |
em 06/10/2007 20:26:00 (5899 leituras) |
O ar. A folha. A fuga. No lago, um círculo vago. No rosto, uma ruga.
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Pescaria |
em 06/10/2007 20:24:49 (4903 leituras) |
Cochilo. Na linha eu ponho a isca de um sonho. Pesco uma estrelinha.
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Vandalismo |
em 06/10/2007 18:20:00 (33392 leituras) |
Meu coração tem catedrais imensas, Templos de priscas e longínquas datas, Onde um nume de amor, em serenatas, Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas Vertem lustrais irradiações intensas Cintilações de lâmpadas suspensas E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos Templários medievais Entrei um dia nessas catedrais E nesses templos claros e risonhos ... E erguendo os gládios e brandindo as hastas, No desespero dos iconoclastas Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
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Pedra filosofal |
em 05/10/2007 18:20:00 (4246 leituras) |
Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa através de tudo num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante, caravela quinhentista, que é Cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.
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De um lado cantava o sol |
em 05/10/2007 17:20:00 (12569 leituras) |
De um lado cantava o sol, do outro, suspirava a lua. No meio, brilhava a tua face de ouro, girassol!
Ó montanha da saudade a que por acaso vim: outrora, foste um jardim, e és, agora, eternidade! De longe, recordo a cor da grande manhã perdida. Morrem nos mares da vida todos os rios do amor? Ai! celebro-te em meu peito, em meu coração de sal, Ó flor sobrenatural, grande girassol perfeito! Acabou-se-me o jardim! Só me resta, do passado, este relógio dourado que ainda esperava por mim . . .
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Gargalhada |
em 05/10/2007 17:20:00 (6216 leituras) |
Homem vulgar! Homem de coração mesquinho! Eu te quero ensinar a arte sublime de rir. Dobra essa orelha grosseira, e escuta o ritmo e o som da minha gargalhada:
Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Não vês? É preciso jogar por escadas de mármores baixelas de ouro. Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais, vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas, destruir as lâmpadas, abater cúpulas, e atirar para longe os pandeiros e as liras...
O riso magnífico é um trecho dessa música desvairada.
Mas é preciso ter baixelas de ouro, compreendes? — e colares, e espelhos, e espadas e estátuas. E as lâmpadas, Deus do céu! E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trêmulas...
Escuta bem:
Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Só de três lugares nasceu até hoje essa música heróica: do céu que venta, do mar que dança, e de mim.
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Murmúrio |
em 05/10/2007 17:20:00 (6707 leituras) |
Traze-me um pouco das sombras serenas que as nuvens transportam por cima do dia! Um pouco de sombra, apenas, - vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares que a noite sustenta no teu coração! A alvura, apenas, dos ares: - vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança, aroma perdido, saudade da flor! - Vê que nem te digo - esperança! - Vê que nem sequer sonho - amor!
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Tragédia no lar |
em 05/10/2007 12:57:26 (52244 leituras) |
Na Senzala, úmida, estreita, Brilha a chama da candeia, No sapé se esgueira o vento. E a luz da fogueira ateia.
Junto ao fogo, uma africana, Sentada, o filho embalando, Vai lentamente cantando Uma tirana indolente, Repassada de aflição. E o menino ri contente... Mas treme e grita gelado, Se nas palhas do telhado Ruge o vento do sertão.
Se o canto pára um momento, Chora a criança imprudente ... Mas continua a cantiga ... E ri sem ver o tormento Daquele amargo cantar. Ai! triste, que enxugas rindo Os prantos que vão caindo Do fundo, materno olhar, E nas mãozinhas brilhantes Agitas como diamantes Os prantos do seu pensar ...
E voz como um soluço lacerante Continua a cantar:
"Eu sou como a garça triste "Que mora à beira do rio, "As orvalhadas da noite "Me fazem tremer de frio.
"Me fazem tremer de frio "Como os juncos da lagoa; "Feliz da araponga errante "Que é livre, que livre voa.
"Que é livre, que livre voa "Para as bandas do seu ninho, "E nas braúnas à tarde "Canta longe do caminho.
"Canta longe do caminho. "Por onde o vaqueiro trilha, "Se quer descansar as asas "Tem a palmeira, a baunilha.
"Tem a palmeira, a baunilha, "Tem o brejo, a lavadeira, "Tem as campinas, as flores, "Tem a relva, a trepadeira,
"Tem a relva, a trepadeira, "Todas têm os seus amores, "Eu não tenho mãe nem filhos, "Nem irmão, nem lar, nem flores".
A cantiga cessou. . . Vinha da estrada A trote largo, linda cavalhada De estranho viajor, Na porta da fazenda eles paravam, Das mulas boleadas apeavam E batiam na porta do senhor.
Figuras pelo sol tisnadas, lúbricas, Sorrisos sensuais, sinistro olhar, Os bigodes retorcidos, O cigarro a fumegar, O rebenque prateado Do pulso dependurado, Largas chilenas luzidas, Que vão tinindo no chão, E as garruchas embebidas No bordado cinturão.
A porta da fazenda foi aberta; Entraram no salão.
Por que tremes mulher? A noite é calma, Um bulício remoto agita a palma Do vasto coqueiral. Tem pérolas o rio, a noite lumes, A mata sombras, o sertão perfumes, Murmúrio o bananal.
Por que tremes, mulher? Que estranho crime, Que remorso cruel assim te oprime E te curva a cerviz? O que nas dobras do vestido ocultas? É um roubo talvez que aí sepultas? É seu filho ... Infeliz! ...
Ser mãe é um crime, ter um filho - roubo! Amá-lo uma loucura! Alma de lodo, Para ti - não há luz. Tens a noite no corpo, a noite na alma, Pedra que a humanidade pisa calma, — Cristo que verga à cruz!
Na hipérbole do ousado cataclisma Um dia Deus morreu... fuzila um prisma Do Calvário ao Tabor! Viu-se então de Palmira os pétreos ossos, De Babel o cadáver de destroços Mais lívidos de horror.
Era o relampejar da liberdade Nas nuvens do chorar da humanidade, Ou sarça do Sinai, — Relâmpagos que ferem de desmaios... Revoluções, vós deles sois os raios, Escravos, esperai! ...
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Leitor, se não tens desprezo De vir descer às senzalas, Trocar tapetes e salas Por um alcouce cruel, Que o teu vestido bordado Vem comigo, mas ... cuidado ... Não fique no chão manchado, No chão do imundo bordel.
Não venhas tu que achas triste Às vezes a própria festa. Tu, grande, que nunca ouviste Senão gemidos da orquestra Por que despertar tu'alma, Em sedas adormecida, Esta excrescência da vida Que ocultas com tanto esmero? E o coração - tredo lodo, Fezes d'ânfora doirada Negra serpe, que enraivada, Morde a cauda, morde o dorso E sangra às vezes piedade, E sangra às vezes remorso?...
Não venham esses que negam A esmola ao leproso, ao pobre. A luva branca do nobre Oh! senhores, não mancheis... Os pés lá pisam em lama, Porém as frontes são puras Mas vós nas faces impuras Tendes lodo, e pus nos pés.
Porém vós, que no lixo do oceano A pérola de luz ides buscar, Mergulhadores deste pego insano Da sociedade, deste tredo mar. Vinde ver como rasgam-se as entranhas De uma raça de novos Prometeus, Ai! vamos ver guilhotinadas almas Da senzala nos vivos mausoléus.
— Escrava, dá-me teu filho! Senhores, ide-lo ver: É forte, de uma raça bem provada, Havemos tudo fazer.
Assim dizia o fazendeiro, rindo, E agitava o chicote... A mãe que ouvia Imóvel, pasma, doida, sem razão! À Virgem Santa pedia Com prantos por oração; E os olhos no ar erguia Que a voz não podia, não.
— Dá-me teu filho! repetiu fremente o senhor, de sobr'olho carregado. — Impossível!... — Que dizes, miserável?! — Perdão, senhor! perdão! meu filho dorme... Inda há pouco o embalei, pobre inocente, Que nem sequer pressente Que ides... — Sim, que o vou vender! — Vender?!. . . Vender meu filho?!
Senhor, por piedade, não Vós sois bom antes do peito Me arranqueis o coração! Por piedade, matai-me! Oh! É impossível Que me roubem da vida o único bem! Apenas sabe rir é tão pequeno! Inda não sabe me chamar? Também Senhor, vós tendes filhos... quem não tem?
Se alguém quisesse os vender Havíeis muito chorar Havíeis muito gemer, Diríeis a rir — Perdão?! Deixai meu filho... arrancai-me Antes a alma e o coração!
— Cala-te miserável! Meus senhores, O escravo podeis ver ...
E a mãe em pranto aos pés dos mercadores Atirou-se a gemer. — Senhores! basta a desgraça De não ter pátria nem lar, - De ter honra e ser vendida De ter alma e nunca amar!
Deixai à noite que chora Que espere ao menos a aurora, Ao ramo seco uma flor; Deixai o pássaro ao ninho, Deixai à mãe o filhinho, Deixai à desgraça o amor.
Meu filho é-me a sombra amiga Neste deserto cruel!... Flor de inocência e candura. Favo de amor e de mel!
Seu riso é minha alvorada, Sua lágrima doirada Minha estrela, minha luz! É da vida o único brilho Meu filho! é mais... é meu filho Deixai-mo em nome da Cruz!...
Porém nada comove homens de pedra, Sepulcros onde é morto o coração. A criança do berço ei-los arrancam Que os bracinhos estende e chora em vão!
Mudou-se a cena. Já vistes Bramir na mata o jaguar, E no furor desmedido Saltar, raivando atrevido. O ramo, o tronco estalar, Morder os cães que o morderam... De vítima feita algoz, Em sangue e horror envolvido Terrível, bravo, feroz?
Assim a escrava da criança ao grito Destemida saltou, E a turba dos senhores aterrada Ante ela recuou.
— Nem mais um passo, cobardes! Nem mais um passo! ladrões! Se os outros roubam as bolsas, Vós roubais os corações! ...
Entram três negros possantes, Brilham punhais traiçoeiros... Rolam por terra os primeiros Da morte nas contorções.
Um momento depois a cavalgada Levava a trote largo pela estrada A criança a chorar. Na fazenda o azorrague então se ouvia E aos golpes - uma doida respondia Com frio gargalhar! ... |
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Pálida à Luz |
em 05/10/2007 12:40:00 (14588 leituras) |
Pálida à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar, na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d'alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! o seio palpitando Negros olhos as pálpebras abrindo Formas nuas no leito resvalando Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando, Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
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Poema enjoadinho |
em 05/10/2007 12:40:00 (6270 leituras) |
Filhos...Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos Como sabê-lo? Se não os temos Que de consulta Quanto silêncio Como o queremos! Banho de mar Diz que é um porrete... Cônjuge voa Transpõe o espaço Engole água Fica salgada Se iodifica Depois, que boa Que morenaço Que a esposa fica! Resultado: filho. E então começa A aporrinhação: Cocô está branco Cocô está preto Bebe amoníaco Comeu botão. Filho? Filhos Melhor não tê-los Noites de insônia Cãs prematuras Prantos convulsos Meu Deus, salvai-o! Filhos são o demo Melhor não tê-los... Mas se não os temos Como sabê-los? Como saber Que macieza Nos seus cabelos Que cheiro morno Na sua carne Que gosto doce Na sua boca! Chupam gilete Bebem xampu Ateiam fogo No quarteirão Porém, que coisa Que coisa louca Que coisa linda Que os filhos são!
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Canção do Violeiro |
em 05/10/2007 12:36:55 (10178 leituras) |
Passa, ó vento das campinas, Leva a canção do tropeiro. Meu coração 'stá deserto, 'Stá deserto o mundo inteiro. Quem viu a minha senhora Dona do meu coração?
Chora, chora na viola, Violeiro do sertão.
Ela foi-se ao pôr da tarde Como as gaivotas do rio. Como os orvalhos que descem Da noite num beijo frio, O cauã canta bem triste, Mais triste é meu coração.
Chora, chora na viola, Violeiro do sertão.
E eu disse: a senhora volta Com as flores da sapucaia. Veio o tempo, trouxe as flores, Foi o tempo, a flor desmaia. Colhereira, que além voas, Onde está meu coração?
Chora, chora na viola, Violeiro do sertão.
Não quero mais esta vida, Não quero mais esta terra. Vou procurá-la bem longe, Lá para as bandas da serra. Ai! triste que eu sou escravo! Que vale ter coração?
Chora, chora na viola, Violeiro do sertão. |
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Soneto |
em 03/10/2007 21:00:00 (4747 leituras) |
Ao Luís Vaz, recordando o convívio da nossa mocidade
Não pode Amor por mais que as falas mude exprimir quanto pesa ou quanto mede. Se acaso a comoção falar concede é tão mesquinho o tom que o desilude.
Busca no rosto a cor que mais o ajude, magoado parecer aos olhos pede, pois quando a fala a tudo o mais excede não pode ser Amor com tal virtude.
Também eu das palavras me arreceio, também sofro do mal sem saber onde busque a expressão maior do meu anseio.
E acaso perde, o Amor que a fala esconde, em verdade, em beleza, em doce enleio? Olha bem os meus olhos, e responde.
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O Amor |
em 01/10/2007 19:26:54 (12808 leituras) |
O amor
MOTE
Amor é chama que mata, Sorriso que desfalece, Madeixa que desata, Perfume que esvaece.
(popular)
GLOSAS
Amor é chama que mata, Dizem todos com razão, É mal do coração E com ele se endoidece. O amor é um sorriso Sorriso que desfalece.
Madeixa que se desata Denominam-no também. O amor não é um bem: Quem ama sempre padece. O amor é um perfume Perfume que se esvaece.
Mário de Sá-Carneiro
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Os meus versos |
em 30/09/2007 15:40:00 (6596 leituras) |
Rasga esses versos que eu te fiz, Amor! Deita-os ao nada, ao pó ao esquecimento, Que a cinza os cubra, que os arraste o vento, Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se os souberes de cor, Que volte ao nada o nada dum momento. Julguei-me grande pelo sentimento, E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei! Tantos penaram já o que eu penei! Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasga os meus versos... Pobre endoidecida! Como se um grande amor cá nesta vida Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...
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Infância |
em 28/09/2007 16:10:00 (11793 leituras) |
A Abgar Renault
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Minha mãe ficava sentada cosendo. Meu irmão pequeno dormia. Eu sozinho menino entre mangueiras. lia a história de Robinson Crusoé, comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala - nunca se esqueceu chamava para o café. Café preto que nem a preta velha café gostoso café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo olhando para mim: - Psiu...Não acorde o menino. Para o berço onde pousou um mosquito. E dava um suspiro...que fundo!
Lá longe meu pai campeava no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
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Sem título |
em 28/09/2007 16:10:00 (4273 leituras) |
É assim que te quero, amor, assim, amor, é que eu gosto de ti, tal como te vestes e como arranjas os cabelos e como a tua boca sorri, ágil como a água da fonte sobre as pedras puras, é assim que te quero, amada, Ao pão não peço que me ensine, mas antes que não me falte em cada dia que passa. Da luz nada sei, nem donde vem nem para onde vai, apenas quero que a luz alumie, e também não peço à noite explicações, espero-a e envolve-me, e assim tu pão e luz e sombra és. Chegastes à minha vida com o que trazias, feita de luz e pão e sombra, eu te esperava, e é assim que preciso de ti, assim que te amo, e os que amanhã quiserem ouvir o que não lhes direi, que o leiam aqui e retrocedam hoje porque é cedo para tais argumentos. Amanhã dar-lhes-emos apenas uma folha da árvore do nosso amor, uma folha que há-de cair sobre a terra como se a tivessem produzido os nosso lábios, como um beijo caído das nossas alturas invencíveis para mostrar o fogo e a ternura de um amor verdadeiro.
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Ódio? |
em 28/09/2007 16:00:00 (7436 leituras) |
Ódio por ele? Não... Se o amei tanto, Se tanto bem lhe quis no meu passado, Se o encontrei depois de o ter sonhado, Se à vida assim roubei todo o encanto...
Que importa se mentiu? E se hoje o pranto Turva o meu triste olhar, marmorizado, Olhar de monja, trágico, gelado Como um soturno e enorme Campo Santo!
Ah! nunca mais amá-lo é já bastante! Quero senti-lo d’outra, bem distante, Como se fora meu, calma e serena!
Ódio seria em mim saudade infinda, Mágoa de o ter perdido, amor ainda. Ódio por ele? Não... não vale a pena...
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Soneto de Amor |
em 28/09/2007 16:00:00 (9411 leituras) |
Talvez não ser é ser sem que tu sejas, sem que vás cortando o meio-dia como uma flor azul, sem que caminhes mais tarde pela névoa e os ladrilhos,
sem essa luz que levas na mão que talvez outros não verão dourada, que talvez ninguém soube que crescia como a origem rubra da rosa,
sem que sejas, enfim, sem que viesses brusca, incitante, conhecer minha vida, aragem de roseira, trigo do vento,
e desde então sou porque tu é, e desde então é, sou e somos e por amor serei, serás, seremos.
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Visão realizada |
em 27/09/2007 22:20:00 (3905 leituras) |
Sonhei que a mim correndo o gnídeo nume Vinha coa Morte, co Ciúme ao lado, E me bradava: <<Escolhe, desgraçado, Queres a Morte, ou queres o Ciúme?
>>Não é pior daquela fouce o gume Que a ponta dos farpões que tens provado; Mas o monstro voraz, por mim criado, Quanto horror há no Inferno em si resume.>>
Disse; e eu dando um suspiro: <<Ah, não m'espantes Coa a vista dessa fúria!... Amor, clemência! Antes mil mortes, mil infernos antes!>>
Nisto acordei com dor, com impaciência; E não vos encontrando, olhos brilhantes, Vi que era a minha morte a vossa ausência!
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Aquele que aproxima os que sempre estarão |
em 27/09/2007 22:20:00 (4454 leituras) |
Aquele que aproxima os que sempre estarão distantes e desunidos e separa os que pareceriam para sempre unidos e semelhantes enxuga meus olhos no alto da noite de mil direcções. Encostada a seu peito, contemplo desfigurada o negro curso da vida como, um dia, do alto de uma fortaleza vi a solidão das pedras milenares que desciam por suas arruinadas vertentes.
Cecília Meireles
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Invocação à Noite |
em 27/09/2007 17:00:00 (4231 leituras) |
Ó deusa, que proteges dos amantes O destro furto, o crime deleitoso, Abafa com teu manto pavoroso Os importantes astros vigilantes:
Quero adoçar meus lábios anelantes No seio de Ritália melindroso; Estorva que os maus olhos do invejoso Turbem d'amor os sôfregos instantes:
Tétis formosa, tal encanto inspire Ao namorado Sol teu níveo rosto, Que nunca de teus braços se retire!
Tarda ao menos o carro à Noite oposto, Até que eu desfaleça, até que expire Nas ternas ânsias, no inefável gosto.
Bocage
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Tuas mãos |
em 27/09/2007 17:00:00 (9394 leituras) |
Quando tuas mãos saem, amada, para as minhas, o que me trazem voando? Por que se detiveram em minha boca, súbitas, e por que as reconheço como se outrora então as tivesse tocado, como se antes de ser houvessem percorrido minha fronte e a cintura?
Sua maciez chegava voando por sobre o tempo, sobre o mar, sobre o fumo, e sobre a primavera, e quando colocaste tuas mãos em meu peito, reconheci essas asas de paloma dourada, reconheci essa argila e a cor suave do trigo.
A minha vida toda eu andei procurando-as. Subi muitas escadas, cruzei os recifes, os trens me transportaram, as águas me trouxeram, e na pele das uvas achei que te tocava. De repente a madeira me trouxe o teu contacto, a amêndoa me anunciava suavidades secretas, até que as tuas mãos envolveram meu peito e ali como duas asas repousaram da viagem.
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Ó tu, consolador dos malfadados |
em 25/09/2007 14:50:00 (3030 leituras) |
Ó tu, consolador dos malfadados, Ó tu, benigno dom da mão divina, Das mágoas saborosa medicina, Tranquilo esquecimento dos cuidados:
Aos olhos meus, de prantear cansados, Cansados de velar, teu voo inclina; E vós, sonhos d’amor, trazei-me Alcina, Dai-me a doce visão de seus agrados:
Filha das trevas, frouxa sonolência, Dos gostos entre o férvido transporte Quanto me foi suave a tua ausência!
Ah!, findou para mim tão leda sorte; Agora é só feliz minha existência No mudo estado, que arremeda a morte.
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Inicial |
em 21/09/2007 15:54:54 (5530 leituras) |
O mar azul e branco e as luzidias Pedras: O arfado espaço Onde o que está lavado se relava Para o rito do espanto e do começo Onde sou a mim mesma devolvida Em sal espuma e concha regressada À praia inicial da minha vida
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Epigrama gastronómico |
em 21/09/2007 15:49:20 (3372 leituras) |
Há mil e cem anos de poesia num só dia, mil e cem palavras numa só sílaba, mil e cem páginas numa linha
- quando abro o livro do teu corpo, e provo mil e cem receitas num só amor.
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Pela luz dos olhos teus |
em 21/09/2007 14:00:00 (10273 leituras) |
Quando a luz dos olhos meus E a luz dos olhos teus Resolvem se encontrar Ai que bom que isso é meu Deus Que frio que me dá o encontro desse olhar Mas se a luz dos olhos teus Resiste aos olhos meus só pra me provocar Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar Meu amor, juro por Deus Que a luz dos olhos meus já não pode esperar Quero a luz dos olhos meus Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará Pela luz dos olhos teus Eu acho meu amor que só se pode achar Que a luz dos olhos meus precisa se casar.
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Meu Deus, eu quero a mulher que passa |
em 21/09/2007 14:00:00 (10649 leituras) |
Seu dorso frio é um campo de lírios Tem sete cores nos seus cabelos Sete esperanças na boca fresca! Oh! como és linda, mulher que passas Que me sacias e suplicias Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia Teus sofrimentos, melancolia. Teus pelos leves são relva boa Fresca e macia. Teus belos braços são cisnes mansos Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas Que vens e passas, que me sacias Dentro das noites, dentro dos dias! Por que me faltas, se te procuro? Por que me odeias quando te juro Que te perdia se me encontravas E me concontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que passas? Por que não enches a minha vida? Por que não voltas, mulher querida Sempre perdida, nunca encontrada? Por que não voltas à minha vida Para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa! Eu quero-a agora, sem mais demora A minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacífica Que é tanto pura como devassa Que bóia leve como a cortiça E tem raízes como a fumaça.
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Amor e seu tempo |
em 21/09/2007 13:51:40 (5132 leituras) |
Amor é privilégio de maduros estendidos na mais estreita cama, que se torna a mais larga e mais relvosa, roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto, o prêmio subterrâneo e coruscante, leitura de relâmpago cifrado, que, decifrado, nada mais existe valendo a pena e o preço do terrestre, salvo o minuto de ouro no relógio minúsculo, vibrando no crepúsculo. Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde.
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Um poema |
em 19/09/2007 00:20:00 (11656 leituras) |
Não tenhas medo, ouve: É um poema Um misto de oração e de feitiço... Sem qualquer compromisso, Ouve-o atentamente, De coração lavado. Poderás decorá-lo E rezá-lo Ao deitar, Ao levantar, Ou nas restantes horas de tristeza Na segura certeza De que mal não te faz. E pode acontecer que te dê paz...
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Não posso adiar o amor |
em 18/09/2007 23:00:00 (16378 leituras) |
Não posso adiar o amor para outro século Não posso Ainda que o grito sufoque na garganta Ainda que o ódio estale e crepite e arda Sob montanhas cinzentas E montanhas cinzentas Não posso adiar este abraço Que é uma arma de dois gumes Amor e ódio
Não posso adiar Ainda que a noite pese séculos sobre as costas E a aurora indecisa demore Não posso adiar para outro século a minha vida Nem o meu amor Nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
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Bucólica |
em 16/09/2007 13:50:00 (34161 leituras) |
A vida é feita de nadas: De grandes serras paradas À espera de movimento; De searas onduladas Pelo vento;
De casas de moradia Caiadas e com sinais De ninhos que outrora havia Nos beirais;
De poeira; De sombra de uma figueira; De ver esta maravilha: Meu Pai a erguer uma videira Como uma mãe que faz a trança à filha.
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Motivo |
em 16/09/2007 13:50:00 (4125 leituras) |
Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento.
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.
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Leituras |
em 16/09/2007 13:42:09 (3196 leituras) |
“Um número reduzido de indivíduos vê os objectos com outros olhos, chama-lhes outros nomes, pensa de maneira diferente, encara a vida de modo diverso. Como estão em minoria, são doidos... “
In: “Loucura” Mário Sá Carneiro |
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Parem |
em 13/09/2007 22:32:16 (5575 leituras) |
parem eu confesso sou poeta
cada manhã que nasce me nasce uma rosa na face
parem eu confesso sou poeta
só meu amor é meu deus
eu sou o seu profeta
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Entre a dívida externa |
em 13/09/2007 22:31:52 (5715 leituras) |
entre a dívida externa e a dúvida interna meu coração comercial alterna
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Poema de sete faces |
em 12/09/2007 23:17:40 (13655 leituras) |
Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada.
O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos , raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
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Se cada dia cai |
em 12/09/2007 12:10:00 (9949 leituras) |
Se cada dia cai, dentro de cada noite, há um poço onde a claridade está presa.
Há que sentar-se na beira do poço da sombra e pescar luz caída com paciência.
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Amor, então |
em 12/09/2007 12:04:36 (13800 leituras) |
Amor, então, também, acaba? Não, que eu saiba. O que eu sei é que se transforma numa matéria-prima que a vida se encarrega de transformar em raiva. Ou em rima.
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Castelã da tristeza |
em 12/09/2007 00:20:00 (4544 leituras) |
"Altiva e couraçada de desdém, Vivo sozinha em meu castelo: a Dor! Passa por ele a luz de todo o amor... E nunca em meu castelo entrou alguém!
Castelã da Tristeza, vês?... A quem?... - E o meu olhar é interrogador - Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr... Choro o silêncio... Nada...Ninguém vem...
Castelã da Tristeza, porque choras Lendo, toda de branco, um livro de horas, à sombra rendilhada dos vitrais?...
À noite, debruçada, plas ameias, Porque rezas baixinho?... Porque anseias?... Que sonho afagam tuas mãos reais?..."
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Lembra-te |
em 11/09/2007 14:20:00 (5755 leituras) |
Lembra-te que todos os momentos que nos coroaram todas as estradas radiosas que abrimos irão achando sem fim seu ansioso lugar seu botão de florir o horizonte e que dessa procura extenuante e precisa não teremos sinal senão o de saber que irá por onde fomos um para o outro vividos
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Autografia |
em 11/09/2007 14:20:00 (3176 leituras) |
sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra
o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!
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Saiba morrer o que viver não soube |
em 10/09/2007 20:30:00 (7930 leituras) |
#Meu ser evaporei na lida insana do tropel de paixões que me arrastava. Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava em mim quase imortal a essência humana. De que inúmeros sóis a mente ufana existência falaz me não dourava! Mas eis sucumbe Natureza escrava ao mal, que a vida em sua origem dana. Prazeres, sócios meus e meus tiranos! Esta alma, que sedenta e si não coube, no abismo vos sumiu dos desenganos. Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube ganhe um momento o que perderam anos saiba morrer o que viver não soube."
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