respira a palavra
de ordem
natural(mente)
o momento intemporal
do homem
e o ritmo
dos dias
o último lamento
dos tempos
que se amofinam
no silêncio
e se perpetuam
nos atos
princípio de todas
as telas
enquadradas nas paredes
de um altar
e o terço em redoma
acabrunhado gira
perante o reflexo
dos dias cinzas

em cada ímpeto
finda a respiração
do homem
desusado
arrepiado
encurralado
assim se principia

Não confiar no queixume
No olhar perdido sem rumo
Do poeta autêntico fingidor

Derrama um mar de palavras
Navega na carruagem do ritmo
Faminto ele ama e corteja
As idéias... sua inspiração
Que fervem dentro de si
Criação que ele festeja
No lamento do poema

criadas e mal
amanhadas searas
mortas de fome

negra noite dos poetas
onde os seres choram
e os sonhos se afogam
em correntes vadias

dá-me um bilhete
para o inferno
esse lugar enfermo
chama crescendo
e desfalecendo
em cada dia
nos baixios

(assim se reza despedimento divinal com lágrimas)


e na lágrima de uma oração
o poeta
finge
e estranha que finge
o chorar de uma súplica
do sofrido coração
e com versos a rubrica

ai a deus
senhor dos céus
se não me ouvisse
adeus a deus

(mais valia a do poeta espoliado)



já de poeta se finge
e dor não veste o poema
toma de si o lavor
e rendilha se noite dentro
dando voltas à dor
carreia agulhas
fura um grafema
lança os dados
rola o tempo
ceifa searas
corta as raízes
puxa palavras
e arados
e diz que é lavrador
passa fome
e come o pão
que outro lho amassou
e grita e rima e grita
quem me roubou

poeta louco
não queria um poema qualquer

então fez poema com um coração em cada dedo da sílaba
parafusos no pescoço das entrelinhas
palavras enxertadas nos pulsos
alinhavou orelhas as letras

poeta louco
cortou a língua e costurou linhas
pregou-lhe asas de verbo

raros os momentos de beleza
em que o coração sente
e a mente consente

chama-se a isto Amor
amor pela intransponível
loucura a que me sujeito
sem jeito de ser
mas com formas exactas
de um mesmo acontecer

rítmicos acontecimentos
de cariz melancólico
a contorcer-se de dor
pioneira em todos
os carismas e crismas
no átrio sagrado
despojamento das lágrimas
vertidas em silêncio

canta-se o fado
e a cidade ao fundo
brilha porque a luz é vida
e a poesia a ponte
até à verdade
de todos os que sabem
doar-se e catalogar-se
em todos os dias
feitos poemas

Aproveitando a deixa do poeta Carlos:




Escrevo para limpar os abcessos da alma ,as palavras drenam os furúnculos dos meus olhos .Ás vezes a escrita me serve como óleo para as áreas a tratar;é minha massagem circular ,um tratamento para os quistos espirituais. E nem levo em consideração a recomendação de não usar de mais.
Escrever é dançar nú com os verbos e pecar com as palavras.É se pregar nas linhas e morrer por cada letra. E ressuscitar numa outra página.
Escrever me dá a petulância de existir.

(sei por que escrevo sim)



escrevo porque aprendi
e tenho dedos
e ensinaram me a ler
e as ideias também brincam
nos meus olhos
também choram
gritam
e deambulam pela cidade
montando letras
desassossegos
aconchegos
muitos egos
foi assim que aprendi
e agora lanço pontes
com linhas e pontos
nas pontas do fim
e também pinto flores
num pontilhado jardim
nascidas de dentro de mim
assim assim

sou assim
fora ou dentro
dum sonho
real ou irreal
não sei
assim como não sei
de mim
no propósito da poesia
corrente contra
a corrente
nascente divina


faço disto e daquilo
e daqueloutro
momento dum poema
oriundo de outros eus
laços dignos de atenção
profundos, porque são
talvez a única forma
de me dizer poeta
a beber da fonte infinita
ou um mero acaso
de tempos a tempos
no tempo de jubileu



Um abraço a todos. Um prazer beber dessas fontes