Comentário a “como verbo, o ar” de benjamin

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6/11/2007 15:11
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Há uma certa gratidão em poemas destes surgirem quando inspirados noutros poemas, muitas vezes carregados de amargura, como se uma força obscura se encarregasse de equilibrar as contas, numa balança tão injusta.

Mas, assim foi.

Numa primeira conjugação soltou-se o verbo, essencialmente no voo, ou pode ter sido no canto, resta discutir a forma, mas, mais adiante. O "...ar..." é essencial à vida. Mas é a fonte da oxidação, motivo final pelo qual todos enferrujamos.
Ficámos todos a saber que lês persa, os árabes escrevem da direita para a esquerda imitando o movimento do sol, com uma citação desta qualidade, é favor acrescentar o autor e o nome da obra, para que nós, mortais, tentemos encontrar e tentar ler. É lindo.
Porque o médio oriente sempre causa recordações ancestrais de teor exótico, religioso (é o berço das maiores religiões monoteístas) e, no caso da Pérsia, lá ter havido um império. Estive o ano passado à conversa com uma catedrática de persa, num jantar de amigos, e ela tem um orgulho indisfarçável em jurar que a poesia é uma segunda língua do seu país.
Estranho país o Irão...
A aliteração nos PP também me pareceu bem.
O segundo verso da primeira estrofe tem um ritmo muito próprio, e a terminação no verbo dá-lhe uma força de declaração muito intensa. A intenção do vazio da ausência (voltamos ao ar do título) como causa é muito clara.
Agora, o que é um “...momento de cotovia...”?
O sujeito poético explica-o na segunda estrofe. Lançando-se no “...firmamento...” sugerindo o voo da ave. O “...por isso...” determina o tempo. Isto estaria muito correcto se fosse águia.

Qual é o atributo da cotovia (popularmente falando)? O canto.
Ora, no céu para que se lança (boa escolha de verbo) como pedra, de olhos fechados, será que só voa? Ou será que canta pensando-se a voar?
Sendo o Poema, Canto.

Muitos cantores (veja-se, como no caso do fado) fecham os olhos, mas pode-se dar o caso do voo ser feito dessa maneira, já que o risco de colisão é pouco.
Deitado, algures, o leitor “descansa os olhos”.
Acordado, o sujeito poético avança na última estrofe.

O segundo verso dela tendo o “...só...” no final, obrigando à pausa, retira o “apenas” e soma a solidão. Há muita solidão na escrita, e na poesia em particular.
Ao ver a luz do dia, surge o poema acabado, num ponto final em que a iluminação parece outro nome para espanto, ou inspiração.
Espantoso este poema.



Como verbo, o ar


li num poema persa
"a tua ausência será
o meu momento de cotovia"

por isso
me lancei ao firmamento
de olhos fechados

mas ainda desperto de longe
em longe e só
sei que és a primeira vez
que vejo o dia

Criado em: 10/2/2023 7:15
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“como verbo, o ar” p/ R. Beça
Administrador
Membro desde:
2/10/2021 14:11
Mensagens: 410
Olá, Rogério.

De facto, o poema surgiu a partir de outro — um lamento pungente de uma poetisa deste site que estava a passar por uma situação particularmente difícil.

A poesia, como todos sabemos, tem uma natureza que foge a qualquer tipo de função. De uma forma provocatória, poderíamos dizer que "não serve para nada". É uma partilha de beleza, é tudo. Todavia, em certos momentos, pode tornar-se um bom lenitivo para as agruras da vida.

Há dias, li um poema de que gostei muito aqui no site, escrito por um poeta que se foi logo embora. Foi pena. Há, contudo, uma expressão que permaneceu na minha memória: "pequenos poentes".

Nas alturas mais difíceis, apontar a um amigo um verso, esse "pequeno poente", e juntar-se a ele na sua contemplação… Pode não ser uma resposta, mas ajuda muito.

Obrigado pela tua leitura. Gostei muito do comentário.

Criado em: 11/2/2023 19:24
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