Comentário a "o poder da coleira" de MarySsantos

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6/11/2007 15:11
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Este poema parece uma conversa de café que algum amigo comenta connosco com algum azedume.
Ou amiga.
É também uma reflexão/observação, bastante sumária, mas profunda da importância daquilo a que chamamos de razão, no comportamento humano em geral.
A violência é uma perda de razão.

Com alguma facilidade, se alguém, num conflito, começar a agredir fisicamente o outro, é comum popularmente dizer que perdeu as estribeiras, ou a razão.
Ter ou não ter razão, é também uma causa perdida nesses casos de conflito. Cada um tem a sua. Com mais ou menos acerto, melhor ou pior argumento.

A razão é coisa de filósofos, pelos vistos também de poetas.
Neste poema associo a mesma à calma, à tranquilidade, à capacidade de controlar os impulsos agressivos, à assertividade (esqueçam lá isso, é um trabalho prá vida toda).

O título fala de “...poder...”. Palavra enorme e desejada.
Ele, e sobretudo ele, corrompe. Ninguém sai impune, por mais beato que se considere.
Sem querer defini-lo com demasiada exatidão, é “a capacidade de ter força”.

Neste caso acho a “...coleira...” relativamente inofensiva.
Ou seja, como metáfora é imageticamente competente, mas como tenho um gato, ter coleira não me dá um grande poder sobre ele.
A trela é um outro assunto. Poeticamente admito que é muito mais pobre, senão convenhamos: “o poder da trela” é mais simplório, talvez prosaico.
Mas é a trela que prende o bichinho ao dono, ou à barraca. A conjugação “...coleira...” e trela, é a de superior poder.

Faz sentido que na primeira estrofe o “...bichinho...” seja em minúsculas. É uma forma de o diminuir e as suas ações. Um ardil subtil. A linguagem comum, quase em calão do segundo verso mantém o diapasão e coloca a irracionalidade num patamar que se quer propositadamente baixo.

Há algo de bastante satisfatório no comportamento desumano, na selvajaria, na brutalidade.
Somos uns animais bastante complexos, todos nós.

O que nos salva, seja ela a educação judaico-cristã punitiva, ou o conceito de moral e bons-costumes, ou a cultura do certo em detrimento do errado, é a razão.

Seja ela uma coleira com nome e morada, ou com uma trela atrás...
Em relação ao uso do verbo “...desprende...” utilizado no penúltimo verso, também acho a escolha muito feliz, porque frisa o acto de prender relacionado à coleira.

Muito curto este poema, como podem ser alguns teus, mas muito cheio de significado e profundidade.

Obrigado pela leitura


o poder da coleira


aquele bichinho
que sai mordendo tudo
por pura satisfação

quando
se desprende
da razão

Criado em: 11/2/2023 22:57
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Re: Comentário a "o poder da coleira" de MarySsantos

Membro desde:
6/6/2012 14:51
De Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5735

Como sempre, o comentário do Rogério é pleno e o que gratifica é o tempo dedicado ao estudo e o cuidado para que, quem lê, absorva a intenção do poema.

Grata pela leitura e pelo comentário ímpar.

Criado em: 13/2/2023 13:53
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