Comentário a "Coisas da factualidade (2)" de Calian

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6/11/2007 15:11
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Facto, não temos todos capacidade para sermos relojoeiros.
Há a questão da minúcia, da paciência, da persistência.
Do tempo. Tempo para termos formação para sê-lo. Tempo que essa minúcia necessita. E em última análise e, segundo o sujeito poético, é o que o relógio mede.

Facto, a comparação do poema, pois de facto este texto consegue mesmo sê-lo, é propositadamente feita para ser algo muito difícil, ou quase impossível.
Sendo pessoa acho a tarefa de me compreender muitas vezes absurda, imaginemos então todos as outras.
Mas podemos tentar fazê-lo, tanto connosco, como com o grosso da humanidade. Que muitas vezes temos pouca. Armamo-nos em animais, ou máquinas.
Depois o que se compara deu-me quase para rir, como quando vi uma graça on-line de algo como: ainda bem que a IKEA não se dedica à construção automóvel (e aparecia a imagem de um carro todo desmontado e uma chave sextavada a acompanhar).
Misturei ainda com os puzzles de 1000 peças, que me dão um nó e vontade de chorar. O resultado final é muito satisfatório, mas não é o meu desporto favorito (as coisas que fazemos por amor).
Agora imagino-me a comprar uma a uma (assim devem ficar muito mais caras), e ao fim de tê-las todas, ainda andar com uma lupa a tentar fazer o que não sei.

Mas a comparação do Homem com o relógio não é, de todo, inocente.

Primeiramente porque somos todos temporais, não confundir com tempestades (embora alguns sejamos), mas somos dotados de tempo, com passado, presente e futuro.
Depois, porque esse mesmo domina-nos, e todos somos seres de agenda na mão a achar que o podemos controlar (sequer se existe mesmo).
O deus Cronos, neste momento, deve-se estar a rir desta minha dúvida.

Mas do fim do poema há a palavra “...rigor...” que pode determinar exactidão, ou como definir algo pior como a finitude.
O tempo é plástico, móvel, o “...rigor...” é rijo.
O relógio sem rigor é falho. Pode ter peças a mais ou falta delas. Em qualquer dos casos, estará parado.

Agora, se formos relojoeiros, podemos acabar por conseguir efectuar esta factualidade. Tarefa hercúlea, tendo em conta as condicionantes supracitadas.

Mais detalhes de interesse.
Há por parte do sujeito poético um certo desprezo, demonstrado na palavra “...pecinhas...”.
Ela pode estar lá apenas para demonstrar ou exagerar a dificuldade do feito, ou pode ser só uma expressão pejorativa, diminuindo-nos-se.

Complexas e incompletas.
Mas que desafio.
Quem no seu juízo perfeito pode andar a “...Tentar compreender as pessoas...”.
Coisa de psicólogos, filósofos e, pelos vistos, poetas.

Sobre o autor.
Tenho gostado do que tem apresentado, a roçar o prosaico muitas vezes, foge a sete pés do óbvio e tem um objectivo de cariz social de se notar. Poesia de intervenção parece ser o seu meio ambiente favorito.
Muito correcto a escrever, ainda que escreva com o acordo ortográfico antigo.
Diferente. E enigmático.
Tem coisas que me faz lembrar um utilizador que também me dava água pela barba, o UMAVozatroz.

Sei que é um regresso.
Bom.



Coisas da Factualidade (2)


Tentar compreender as pessoas
é como comprar pecinhas avulso
com elas tentar
montar um relógio que funcione a
rigor

Criado em: 23/5/2023 17:24
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