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berlinde

 


não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


desviei o olhar para o chão. fui reconhecido por uma gaivota cinzenta do passado. sabe tudo de uma outra pessoa que tem o meu rosto – mas este corpo. que apodrece com o tempo. já não tem o mesmo passado – não sei se me quer voltar a falar ou apenas rir do que ainda sobra desse corpo. talvez as duas coisas. talvez. – se soubesse o que esta palavra representa para aqueles que não têm vida. talvez mais ninguém usasse a palavra –talvez–. talvez um qualquer idealista dono do que resta da nossa língua a proibisse – talvez amarrasse no –talvez–. a levasse para o meio do nada e a transformasse num cometa. talvez assim eu fosse levado por uma onda gigante e talvez me tornasse num peixe de olhos azuis. um peixe de aquário gigante com umas mãos ainda maiores que me acarinhassem todos os dias – mas também já não interessa. [soubessem vocês leitores. que tenho agora o mundo ao colo. chora. amarrado às raízes que são suas e minhas] tenho um berlinde que trouxe de um passado onde ainda não havia cores. é transparente. tão transparente que dá para ver todo o futuro que um dia terá que enfrentar – talvez um dia. este berlinde se torne também num peixe que sabe distinguir as cores. talvez os olhos sejam azuis esperança. talvez queira ter outro mar só para ele. outro aquário ainda maior e mais azul que o meu – mas o berlinde é tão límpido. tão redondo. tão brilhante que quando olho para ele o futuro não existe – o céu é então uma bola de fogo. onde os pavores ardem e todas as palavras que não digo. são afinal carinhos que guardo desde aquele dia que alguém me disse que tinha orgulho em mim – este talvez. faz de mim um erro. todos os dias maior. mas. talvez desta vez esteja certo. este –talvez– de um tempo que não é meu faz-me sofrer – quero morrer. morrer com todas as incertezas. com todas as dores. com todos os pasmos. morrer. apenas morrer – tenho tanto medo de perder o berlinde – é tão luminoso.
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
arfemo
Publicado: 18/07/2010 22:16  Atualizado: 18/07/2010 22:16
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 Re: berlinde
...o berlinde fetiche dos sonhos da infância no cerne de um texto de profunda reflexão...abraço


Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 18/07/2010 22:24  Atualizado: 18/07/2010 22:24
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 Re: berlinde para sampaiorego
o brilho está nos olhos,não no berlinde.guarda-o bem.não deixes que nada,nem ninguém to roube.

e o meu beijo

alex


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/07/2010 22:30  Atualizado: 18/07/2010 22:30
 Re: berlinde
Escrevendo assim não perderás o berlinde nem morrerrás, mas se isso acontecer ficam as tuas palavras eternas no ser da poesia.
abraço
nuno


Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 19/07/2010 10:41  Atualizado: 19/07/2010 10:41
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 berlinde ao s.
e eu tenho tanto medo de tanta coisa. e o berlinde pode ser tanta coisa. como a vida. ou o medo. ou a necessidade de abrir os olhos ao redondo do mundo. também quero morrer. vamos?


Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 19/07/2010 10:51  Atualizado: 19/07/2010 10:51
Membro de honra
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 Re: berlinde
e na tua escrita o brilho reflecte-se. que nunca se apague dos teus olhos. beleza pura.
beijo


Enviado por Tópico
AnaMartins
Publicado: 20/07/2010 15:41  Atualizado: 20/07/2010 15:41
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 Re: berlinde
Talvez resida aí o verdadeiro erro da humaninade. Na busca incessante de diamantes, já ninguém para apreciar o brilho límpido que um berlinde nos oferece.
As pequenas coisas são as maiores coisas e tu sabes fazer a distinção..

Beijo, Sampaio.