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para sempre mãe. para sempre - [1 de 3 ]

 
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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


1.

sem asas. preso ao destino. conto o tempo – o cheiro a mar do lado direito. na montanha do lado esquerdo as casas caiem em cascata – nascem as primeiras luzes. por dentro das janelas o vento. são luzes de gente que faz vida a olhar o mar - tal como o meu pensamento. também ele cria imagens em cascata. viradas para um mar que na maior parte das vezes ondula num imaginário que só eu conheço – o meu mar – dentro do corpo. real. só mesmo a gaivota cinza. corta o ar. nunca pára. nem quando pego no sono. e ao ouvido não se cansa de me dizer: sampaio o mar está no olhar. sampaio o mar está sempre no olhar – é uma amiga. uma amiga de sempre. tudo faz para me ver a escrever. para me ver feliz. sabe que gosto de escrever o mar em palavras – hoje tenho um mar de bem-querer dentro do olhos. todos os oceanos são minúsculos para este mar – a noite continua a cair. e eu cada vez mais dentro de mim. fico dentro das mãos. aqui tenho tudo o que tem valor. tenho tanto dentro destas mãos. tenho os dias que me trouxeram até aqui. que é como quem diz: tenho-me a mim. tão grande como pareço ser. mas não sou. o mar que trago no olhar faz-me tão pequeno. e não pára de dizer: sampaio escreve. escreve tudo que te falta. só as palavras saberão dizer o tamanho do mar que te está nos olhos – este mar que me abraça. é o mar onde nasci – que mar bonito. nunca vi um mar assim. talvez seja pelas casas caírem em cascata. para outro mar que não fala – há uma súbita calma que me mete medo. ouvi dos homens do mar que quando há na terra um silêncio maior que o do mar manso é prenúncio de tempestade – mas hoje. este mar. estas casas que caem. este silêncio tão silêncio talvez me faça escrever. escrever palavras singulares. palavras únicas. palavras que digam o que nunca consegui dizer com os lábios. estes lábios que sempre só souberam dar beijos. beijos para dizer tudo. beijos para dizer: gosto de ti – nasci sem boca. e estas mãos que me caem contra o papel. também não foram feitas para escrever – eu repito tantas vezes: sampaio os dedos são grossos. e os lápis são sempre tão frágeis – raios partam os lápis que se partem sempre que procuro palavras que não sei dizer com a boca que não tenho – que vergonha nascer sem boca. que vergonha não ter forma de juntar palavras aos abraços e dos braços deixar escapar-me para as mãos outras palavras que acabam em abraços – quando quero falar choro e quando choro quero sempre esconder-me dentro do mar. do meu mar. do mar que guardo para morrer – sempre o meu mar. nos dias em que o sinto. em que lhe deito a mão. quebro. como quebra uma macieira quando o peso das maçãs é maior que toda a terra que a sustenta – neste dias quero morrer por ter nascido sem boca – luto. desesperado mas luto. resta-me a gaivota malhada. que nunca pára de cortar o vento com asas de penas que juntou ao longo de toda a vida – há um mar que me pertence para sempre. tenho-o agora aqui. sei que existe porque todos os dias olho para este mar e choro pela outra metade que perdi num dia sem data – neste mar há um vento quente no olhar. neste mar há um abrigo que já foi meu. este mar é meu. este mar sempre será meu. permanecerá em sossego até ao fim. e no adeus. no dia em que gritar. as casas continuarão a cair em cascata. mas as janelas estarão vestidas de luz negra. não haverá mar luz. não haverá mar nos meus olhos. este que só eu vejo. este que guarda o vento quente onde a minha gaivota malhada voa – este mar é tão bonito. este é o mar da minha vida. ai se eu tivesse o resto do mar. a outra metade que falta. talvez desaparecesse. talvez quisesse acabar para sempre. talvez morresse dos gritos – sempre que choro grito – este mar é meu e dentro dele aprendi a falar. bem sei que apenas falo com a minha gaivota malhada. só com ela falo e choro ao mesmo tempo. só com ela sei abraçar – chorar. abraçar. e quando o vento está menos afoito até sou capaz de juntar sorrisos aos abraços – somos amigos. só ela me trata pelo último nome quando me quer dizer que somos para sempre. somos eternos. nunca saberemos viver um sem o outro. só eu tenho um mar que vive em todos os oceanos. o único mar onde ela sabe voar – neste mar existe apenas o que é meu. e do que é meu só reconheço uma pedra onde me sento para descansar. é aqui que penso. é aqui que vejo a minha amiga a voar – olho o mar e as cascatas de casas continuam a cair cada vez com mais luz. há mais silêncio do que luz. sei-o – sobrevive nele o olhar. olho. é tempo de não falar. não quero assustar o silêncio. é sumptuoso. tudo à minha volta é subitamente o silêncio de quem é rico. muito rico – há dentro dos olhos uma calma que não sei explicar. só a conheço em gente rica. gente de sangue azul. gente onde o amor nunca é posto em causa pelas desgraças. nascem e morrem assim. sem discutirem silêncios – talvez este silêncio me permite ver como nunca vi. olhar como nunca olhei. escutar o que nunca quis ouvir – estou feliz. estou tão feliz que descobri que é possível doer-me este olhar. onde vejo dor. olho dor. sinto dor. e no entanto estou a cada momento mais feliz em silêncio. quero ainda mais desta dor. quero mais. quero muito mais. bem sei que esta é a dor que mata todos aqueles que escrevem. mata escritores. não há nenhuma forma de escrever esta felicidade que dói. não há tamanho para esta dor. as palavras não chegam e o sofrimento é como o amor de camões – dói sem doer – dói. dói muito. mas escrevo. escrevo porque uma gaivota teima o voo dentro dos meus ouvidos a gritar: escreve. deixa de ser cobarde. escreve. aproveita o vento. deixa as palavras partir. as palavras voam com o vento. escreve – fecho os olhos. com força. com muita força e deixo-as voar. há um vento que desconheço. alguém abriu todas as janelas de todas as casas que vivem voltadas para o mar. este vento morno não desceu do céu. é o meu mar a abraçar-me – tenho medo – tenho sempre medo do que é bom demais. nunca me achei merecedor do que é excepcionalmente bom. estou habituado a ficar contente com o que é razoavelmente bom – o mar está tão calmo. tão sereno – tenho medo. tenho medo que as palavras caiam por terra. nesta terra que existe para dias como este em que o mar ficou em silêncio para ouvir os corações bater. bater como batem os sinos das igrejas quando chamam os anjos que povoam os ventos mornos que dormem em casas voltadas para o mar –
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
Carlos_Val
Publicado: 12/07/2011 00:16  Atualizado: 12/07/2011 00:16
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 Re: para sempre mãe. para sempre - [1 de 3 ]
excelente poeta

abraço poético

Val