Prosas Poéticas : 

abril... meu abril. meu abril

 
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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


aqui estou. a olhar. a pensar nas coisas que ainda existem dentro de mim. e também nas coisas que não estando dentro de mim me iluminam como iluminam as auroras boreais – faz anos hoje que nasci e sempre que este dia se repete penso nas coisas boas que me aconteceram. na chuva que me molhou e nos lábios que me beijaram como se fossem primavera e me levaram até marte – e agora que o tempo é menos do que sou o que faço comigo? vivo com quê? recordo os afectos que me seguraram até aqui? ou choro a raiva que transporto e me corrói a alma como se fosse um alien? vivo – vivo sem vagar – o mundo criou-me da forma que escolhi – a verdade é que são as coisas que existem em mim que me fazem do tamanho que sou – aqui estou. a contar os anos. mais um. e o calendário rasgado em quatro. e corro. corro desalmadamente pois sei que se faz tarde para o que há de vir – corro e escondo-me – só recatado estou sereno. só recatado sou eu numa verdade boa – e aqui estou com o tempo às voltas – há dias em que sorrio por gratidão e outros. apenas por obrigação – motivo-me com as palavras que escrevo. fortifico-me com a fé de um deus que inventei só para mim e conto as rugas porque não me apetece contar mais nada – fujo do que não tem fuga. desespero. insulto-me com palavras ordinárias e juro que estou ainda mais vivo do que ontem – corro ao redor de cadeiras que não se ocupam por ordem minha. enquanto a chuva não para de cair num buraco que me entra pelos olhos e me encharca o coração – esbracejo e grito com o que me resta para a vida: aqui estou deus cruel. crucifico-me não por ti mas pelo que trago em mim. esta é a minha casa. é aqui que farei da morte desculpa – e os fantasmas a correr pelas paredes como se tudo em mim fosse uma pilhagem fácil – estou desgostoso. melancólico. dorido e em agonia. tudo o que tenho rima com nada e com campos plantados de sonhos – apetece-me descansar estas pernas sem descanso – e eu aqui a ler o tempo como se dentro dos olhos me explodissem bombas. as mãos a rasgar o dia de ontem e as lembranças agoniadas. esbaforidas. doentes. a sangrar. a magoar os vivos. e o sino tlim… tlam… tlim… tlam… e [agora] o silêncio nas coisas que existem é muito mais do que saudade – fujam… fujam… o coração não vê o que não ama – de frente o vento rasga-me a voz e as montanhas devolvem-me os gritos em desespero – sou neste corpo envelhecido tudo o que trouxe com o tempo – e aqui estou eu a escrever como se as palavras me trouxessem uma vida extra – se deus me desse uma vela e um sopro apagava toda a tristeza que guardei para sobreviver – procuro ainda esperança. procuro ainda tempo. procuro ainda o que sempre procurei para que as coisas se acalmem – vivo num fogo de poeta – toda a minha vida é feita de coisas. certas e incertas. às vezes sorriso. outras. amargos de boca. fel. horror. revolta. crucificação que não quero merecer – não importa. tudo tem perdão quando o outono chega – a cabeça não para de pensar. mata-se. agonia-se com a saudade. e todas as coisas valiosas cada vez mais afastadas… e berro nos ouvidos do mundo: só tenho uma vida – cheiro a desespero desde o dia em que quis crescer – só a esperança ralha comigo – a mãe de tudo o que sou partiu pela escada da escuridão e as coisas enlouqueceram dentro de mim. as minhas coisas revoltaram-se. e o sótão mais uma vez desarrumado. e caixas abertas. estraçalhadas a baba e ranho – e as coisas que amo a morrer vezes sem fim. como se os aniversários fizessem os dias voltar para trás – estou aqui porque não posso estar noutro lugar. noutro inferno. e o que imagino é um negro que magoa por avanço – nenhuma palavra será girafa. gaivota. ou garrafa perdida num oceano repleto de beijos e abraços – e as orcas gordas penduradas nos himalaias a rir à gargalhada – nada acontece às orcas e às velas que não ardem. e eu pendurado nas coisas que existem dentro de mim. que amo. que beijo e que sofro sempre que as abraço em silêncio – é tudo o que sei fazer – perdoo-me e os que gostam de mim também me perdoarão – o mundo só me tem servido para envelhecer

 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
kirinka
Publicado: 21/11/2019 17:40  Atualizado: 21/11/2019 17:40
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 Re: abril... meu abril. meu abril
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" é tudo o que sei fazer – perdoo-me e os que gostam de mim também me perdoarão "

Não foi Só...o que retirei...de tudo o que li...e que me "vestiu" em tantas verdades (as minhas verdades).
Voltarei com mais calma...para "beber" de novo.

Abraço da Luka