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Rogério Beça | Publicado: 22/04/2020 09:53 Atualizado: 22/04/2020 19:53 |
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Re: Owner of a lonely heart
Um dia fui para o trabalho e aquilo parecia um hospital.
A um canto o riso ensurdecedor e estúpido das hienas. No centro leões e ovelhas.
No meu vestiário éramos sempre os mesmos, a vestir o uniforme que dizia o que faço. Alguns habitavam o já tradicional fato-de-macaco. É sépia.
Assim que abri a boca, os olhares repetiram a ladaínha do "lá vem ele com a mania", nunca me achei muito psicótico...
Engoli algumas palavras e saiu-me um bom-dia.
Depois foi fazer, fazer e mais fazer.
Invariavelmente, como na escola, os grupos agrupavam-se sem darem conta, e dei por mim a falar com os que sofriam de olhares.
Entre as hienas, que se riam da desgraça alheia e gostavam de ver o circo a arder e as ovelhas que mugiam sim, surgiam cumplicidades divertidas. Ria-me sob olhares.
Entre os que engoliamos palavras e os outros, os diálogos eram frequentes e profissionais, quase amistosos.
Envolvia-nos um cinismo que tornava possível pagar as contas.
Até que um dia o chefe morreu.
Entre aleluias, tentaram todos falar na mesma língua. As desconversas sucederam-se e a carta de demissão saiu-me em verso.
Mas as contas por pagar falaram tão mais alto do que a minha raiva que continuei por ali ao assobio.
[gostei muito do teu poema. Manténs a invulgaridade como linha, e apesar do céu (cada um tem o seu), há uma intimidade que o sujeito poético transmite. O leitor, ao procurar as leituras do texto, fica até um pouco incomodado com as hipóteses. Rende-se aos Yes no youtube e indecide-se se há-de rir, ou amargar.]
Abraço
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