Poemas, frases e mensagens de Bocage

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Bocage

Soneto Ditado na Agonia

 
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.

Eu me arrependo; a língua quasi fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!.
 
Soneto Ditado na Agonia

Soneto do Velho Escandaloso

 
Tu, oh demente velho descarado,
Escândalo do sexo masculino,
Que por alta justiça do Destino
Tens o impotente membro decepado:

Tu, que, em torpe furor incendiado
Sofres d'ímpia paixão ardor maligno,
E a consorte gentil, de que és indigno,
Entregas a infrutífero castrado:

Tu, que tendo bebido o méstruo imundo,
Esse amor indiscreto te não gasta
D'ímpia mulher o orgulho furibundo;

Em castigo do vício, que te arrasta,
Saiba a ínclita Lísia, e todo o mundo
Que és vil por gênio, que és cabrão, e basta
 
Soneto do Velho Escandaloso

Soneto de Todas as Putas

 
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:

Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleópatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.
 
Soneto de Todas as Putas

Soneto da Suposta Santa

 
Acredite, sentado aos quentes lares
Nas noites invernosas de janeiro,
Lendo em Carlos Magno o sapateiro
As proezas cruéis dos doze Pares:

Creiam que vêm as bruxas pelos ares
A chupar as crianças no traseiro;
Comam quanto lhes diz o gazeteiro,
De casos, de sucessos singulares:

Porém, que uma beata amortalhada,
Com a cara vermelha e corpo mole,
E santa por um frade apregoada:

Que respire, que os braços desenrole,
E seja por defunta acreditada,
Isto somente em Évora se engole!
 
Soneto da Suposta Santa

Soneto da Puta Assombrosa

 
Pela rua da Rosa eu caminhava
Eram sete da noite, e a porra tesa;
Eis puta, que indicava assaz pobreza,
Co'um lencinho à janela me acenava:

Quais conselhos? A porra fumegava;
"Hei de seguir a lei da natureza!"
Assim dizia e efeituou-se a empresa;
Prepúcio para trás a porta entrava:

Sem que saúde a moça prazenteira
Se arrima com furor não visto à crica,
E a bela a mole-mole o cu peneira:

Ninguém me gabe o rebolar d'Anica;
Esta puta em foder excede à Freira,
Excede o pensamento, assombra a pica!
 
Soneto da Puta Assombrosa

Soneto do Coito Interrompido

 
"Mas se o pai acordar!..." (Márcia dizia
A mim, que à meia-noite a trombicava)
"Hoje não..." (continua, mas deixava
Levantar o saiote, e não queria!)

Sempre em pé a dizer: "Então, avia...
"Sesso à parede, a porra me aguentava:
Uma coisa notei, que me arreitava,
Era o calçado pé, que então rangia:

Vim-me, e assentado num degrau da escada,
Dando alimpa ao caralho, e mais à greta
Nos preparamos para mais porrada:

Por variar, nas mãos meti-lhe a teta;
Tosse o pai, foge a filha... Oh vida errada!
Lá me ficou em meio uma punheta!
 
Soneto do Coito Interrompido

Outro Soneto ao Vil Inseto

 
Há junto do Parnaso um turvo lago,
Aonde em rãs existem transformados
Os trovistas de cascos esquentados,
Cérebro frouxo, ou de miolo vago:

Por mais infâmia sua, e mais estrago
Doou-lhe Febo os ânimos danados,
P'ra que exprimam em versos desasados
Os seus destinos vis, nos quais eu cago:

Aqui Bocage, vive, e d'aqui ralha,
E co'a tartárea língua pontiaguda
Bons e maus, maus e bons, tudo atassalha.

É vil inseto, e o gênio atroz não muda,
Bem como a escura cor não muda a gralha,
E o hediondo fedor não perde a arruda.
 
Outro Soneto ao Vil Inseto

Soneto ao Leitão

 
Pilha aqui, pilha ali, vozeia autores,
Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e vários;
Propõe sistemas, tira corolários,
E usurpa o tom d'enfáticos doutores:

Ciência de livreiros e impressores
Tem da vasta memória nos armários;
E tratando os cristãos de visionários,
Só rende culto a Vênus, e aos Amores:

A mulher, que a barriga lhe tem forra
Do jugo da vital necessidade,
Deixa em casa gemer como em masmorra:

Este biltre, labéu da humanidade,
É um tal bacharel Leitão de borra,
Lascivo como um burro, ou como um frade.
 
Soneto ao Leitão

Soneto Dramático

 
Na cena em quadra trágico-invernosa
Zaida se impingiu (fradesco drama!)
Apareceu depois, com sede à fama,
Tragédia mais igual, mais lastimosa:

O autor pranteia em frase aparatosa
Esfaqueado arrais, pimpão d'Alfama;
Corno o protagonista, e puta a dama,
O machão é Simeão, e a mula é Rosa:

Espicha o rabo (eu tremo ao proferi-lo)
Espicha o rabo ali o herói na rua,
Qual Muratão nos areais do Nilo!

Elmiro na tarefa contínua,
Já todos pela escolha, e pelo estilo
Rosnam que a nova peça é obra sua.
 
Soneto Dramático

És dos Céus o Composto Mais Brilhante

 
Marília, nos teus olhos buliçosos
Os Amores gentis seu facho acendem;
A teus lábios, voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem;
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura.

És dos Céus o composto mais brilhante;
Deram-se as mãos Virtude e Formosura,
Para criar tua alma e teu semblante.
 
És dos Céus o Composto Mais Brilhante

Soneto ao Vil Inseto

 
Enquanto a rude plebe alvoroçada
Do rouco vate escuta a voz de mouro,
Que do peito inflamado sai d'estouro
Por estreito bocal desentoada:

Não cessa a cantilena acigarrada
Do vil inseto, do mordaz besouro;
Que à larga se criou por entre o louro
De que a sábia Minerva está c'roada:

Enquanto o cego ateu, calvo da tinha,
Com parolas confunde alguns basbaques,
Salmeando a amatória ladainha:

Eu não me posso ter; cheio de achaques,
Cansado de lhe ouvir ³ "Bravo! Esta é minha!"
Cago sem me sentir, desando em traques.
 
Soneto ao Vil Inseto

Soneto do Corno Interesseiro

 
Uma noite o Scopezzi mui contente
(Depois de borrifar a sacra espada
Que traz de rubra fita pendurada
Com cuspo, e vinho, que vomita quente):

Conversava co'a esposa em voz tremente
Sobre a grande ventura inesperada
De ser a sua Plácida adorada
Por um Marquês tão rico, e tão potente:

A velha lhe replica: Isso é verdade;
Enquanto moça for, nunca o dinheiro
Faltará nesta casa em quantidade.

"Mas tu sempre és o tafulão primeiro:
Pois tendo cabrão sido noutra idade,
És agora o maior alcoviteiro!"
 
Soneto do Corno Interesseiro

Soneto da Cópula Canina

 
Quando no estado natural vivia
Metida pelo mato a espécie humana,
Ai da gentil menina desumana,
Que à força a greta virginal abria!

Entrou o estado social um dia;
Manda a lei que o irmão não foda a mana,
É crime até chuchar uma sacana,
E pesa a excomunhão na sodomia:

Quanto, lascivos cães, sois mais ditosos!
Se na igreja gostais de uma cachorra,
Lá mesmo, ante o altar, fodeis gostosos:

Enquanto a linda moça, feita zorra,
Voltando a custo os olhos voluptuosos,
Põe no altar a vista, a idéia em porra.
 
Soneto da Cópula Canina

Soneto da Beata Esperta

 
Não te crimino a ti, plebe insensata,
A vã superstição não te crimino;
Foi natural, que o frade era ladino,
É esperta em macaquices a beata:

Só crimino esse herói de bola chata,
Que na escola de Marte inda é menino,
E ao falso pastor, pastor sem tino,
Que tão mal das ovelhas cura, e trata:

Ítem, crimino o respeitável Cunha,
Que a frias petas crédito não dera,
A ser filósofo, como supunha:

Coitado! Protestou com voz sincera
Fazer geral, contrita caramunha,
Porém ficou pior que d'antes era!
 
Soneto da Beata Esperta

Soneto do Padre Patife

 
Aquele semi-clérigo patife,
Se eu no mundo fizera ainda apostas,
Apostara contigo que nas costas
O grande Pico tem de Tenerife:

Célebre traste! É justo que se rife;
Eu também pronto estou, se disso gostas;
Não haja mais perguntas, nem respostas;
Venha, antes que algum taful o bife:

Parece hermafrodita o corcovado;
Pela rachada parte (que apeteço)
Parece que emprenhou, pois anda opado!

Mas desta errada opinião me desço;
Pois que traz a criança no costado,
Deve ter emprenhado pelo sesso.
 
Soneto do Padre Patife

Soneto da Cagada

 
Vai cagar o mestiço e não vai só;
Convida a algum, que esteja no Gará,
E com as longas calças na mão já
Pede ao cafre canudo e tambió:

Destapa o banco, atira o seu fuscó,
Depois que ao liso cu assento dá,
Diz ao outro: "Oh amigo, como está
A Rita? O que é feito da Nhonhó?"

"Vieste do Palmar? Foste a Pangin?
Não me darás notícias da Russu,
Que desde o outro dia inda a não vi?"

Assim prossegue, e farto já de gu,
O branco, e respeitável canarim
Deita fora o cachimbo, e lava o cu.
 
Soneto da Cagada

Se é Doce

 
Se é doce no recente, ameno Estio
Ver toucar-se a manhã de etéreas flores,
E, lambendo as areias e os verdores,
Mole e queixoso deslizar-se o rio;

Se é doce no inocente desafio
Ouvirem-se os voláteis amadores,
Seus versos modulando e seus ardores
Dentre os aromas de pomar sombrio;

Se é doce mares, céus ver anilados
Pela quadra gentil, de Amor querida,
Que esperta os corações, floreia os prados,

Mais doce é ver-te de meus ais vencida,
Dar-me em teus brandos olhos desmaiados.
Morte, morte de amor, melhor que a vida.
 
Se é Doce

Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage
( 15/09/1765 — 21/12/1805)
Autores Clássicos no Luso-Poemas