Vida Literária
Escuto a máquina de escrever
da primeira tecla que bate
um pássaro dá meia-volta
voa para longe, das seguintes
um menino leva os dedos
à boca e chora
no meio de tinta azul
pintava um céu em círculos
à volta de um sol tranquilo
o pássaro que saiu voando
e o menino que ensaiou
na língua uma palavra azul
são o que hoje soa
da máquina de escrever
Amanhã por uma esquina
do teclado sairá
um homem que esconde
a sua noite por um prédio
num desvão calado
-E a poesia encerrará
as suas teclas mais tristes?
12-7-2006
(c) João Tomaz Parreira
UM RIO CHAMADO TRISTEZA
Na margem sentado, molho os pés
na tristeza
as águas turvam
o meu reflexo
-eu estampado
na seda das águas? recolho,
com o copo
das mãos,
a espuma
do meu rosto.
(c) João Tomaz Parreira
NOCTURNO DE MIM
Quando a noite chega e meus olhos
são uma sala vazia, quando a noite chega
e olho meus livros, os meus utensílios
com palavras na penumbra, é a hora da luz
iluminar com a sua água sobre a mesa
quando a noite chega
quando chega num cigarro abortado
antes da última cinza, quando a noite chega
e as janelas transparentes no escuro
quando chega a noite
estou cercado de perguntas, algumas
respondo, outras cingem-me os ombros
quando a noite chega sou como nuvens
que procuram casa sem parar seu rumo.
(c)João Tomaz Parreira
A NOITE URBANA
Brilham no vento as luzes vigilantes
dos candeeiros públicos,
fogueiras
para as noites húmidas,
agitam-se as cortinas
da janela que tosse,
enquanto dois vultos
se esquivam enlaçados
dos últimos olhares,
entre as varandas dos prédios
há quem procure
num quarto nu a intimidade.
(C) João Tomaz Parreira
A BAILARINA DE FLAMENCO
Ela derrama água nos seus pés
quando dança com o vestido
em chamas
ela põe fora da boca
o coração cansado
seus dedos como os pardais
procuram fugir
como os sapatos de flamenco
na madeira do soalho.
(c) João Tomaz Parreira