Em déjà vu
Sem receios deitei-me no teu corpo
Como ao luar primaveril antigo
Entreguei-me às maçãs do teu rosto
Mergulhadas nos pomares rústicos.
Teus poros eram de odores campestres
Cerejas, amoras, mirtilos, silvestres
E a tua boca ladina espraiando
Madressilvas, ai odores da campina.
Fui mais além, a tua língua na minha
Serpentes ziguezagueando sem preguiça
Éramos duas presas numa explosão só
De peripécias fantásticas...anestésicas
Por isso segui o itinerário sem freios
A alta velocidade na tentação mil
Senil d’ anseios, percorri-te do pescoço
Ao peito e resto dos membros num alvoroço.
Era uma excitação bendita
Que acabara antes de começar
Aterrando no mar sádico da saudade
Em déjà vu.
Maria Luzia Fronteira
Funchal, 26 de abril de 2012
Ah, gosto da tradição
Ah gosto da tradição, do arcaico nos terreiros
Calcetados a pedra de calhau, trabalhados
E gosto dos campos amplos metamorfoseados
Por entre os mais galantes verdes clorofilados.
E gosto das estacas nas latadas repousand’
O plantio dos vinhais imensos e a ponto mor
Ah gosto da tradição, da sombrinha nos amantes
Acoplados nos imaturos beijos e abraços do amor.
Oh das aragens e dos arados do seu condão
E gosto da transmutação do sereal no pão
Do mosto no vinho sobre a mesa fidalga
Ah e do brinde no copo de cristal, afrodisíaco.
E gosto mais ainda de Deus indecifrável
Presente no sol, na lua, n’ água e na terra
Ah, gosto da fidalguia do universo em tournée
Lançad’ao tam subjetivo elemento…agente.
Maria Luzia Fronteira
Funchal, 06 de junho de 2012
Vou hastear um lencinho, para ti mãezinha
Vou hastear um lencinho de fundo alvo
Envolto em glória só pra ti mãezinha
Mimado a fios oiro e prata n’alpardinha
Hipnotizado em mirras do teu colo bravo.
E no meio vou fazer um coração gigante
Pintar um sol de letras ilustr’e navegante
Nos saberes teus, obra natura realmente
Alternadamente, oração e poema delirante
Poema e oração fonte de orgulho meu
Sol, mar, serra, mescla d’oiro e prata
Rainha de gema, eloquente túnica
Vou hastear o lencinho até faiscar o céu
De doirado e prata matizado nesta data
Em sinal d’amor trabalhado de forma única.
Funchal, 03 de maio de 2015
Maria Luzia fronteira
Nota: Alpardinha = fim da tarde
(regionalismo)
Vamos amor
Amor, vamos pel’alegre mira que s' avizinha, vamos
Até ao lume da montanha, sem o cambapé e a fuinha
Das parolas malignas do juá-de-las- vinhas e companhia
Antes q' o sol s'alevante da soirée, arteiros prossigamos
Acordemos … pé ante pé, às mirras labíadas e polvorosas
D’ aromas, às boninas carnosas de folhadal verde imaculado
E entremos de soslaio ao de leve canto, oh amante meu arado
Campo de zéfiros floras de suspiros, oh das carnes graciosas
Abracemo-nos confiantes no porvir , qu’é breve e arroteemos
E invistamos nossas bocas n’ ósculos imaturos plo’ solstícios
Apelando aos pelouros manjares lascivos em nós, desusados
E já na última peripécia do evento sem receios, avancemos
Lambuzemo-nos do cabeçalho ao rodapé em exercícios
E confessemos nossos corpos possantes de tam pecados.
Maria Luzia Fronteira
Funchal, 04 de novembro de 2012
Significado de alguma palavras do poema:
Juá-de-las-vinhas – espantalho, pessoa reles, inútil
Cambapé – cilada
Fuinha – pessoa avarenta
Soirée – espetáculo noturno
Tam - arcaísmo de tão
Para o baile
Vai cegueira da paixão no caminho a flutuar
De cabelos ruivos e papelotes em festim
Adornados nuns ganchinhos de rubi
E um caldeirão d'aroma lírio a saltitar
De vestidinho cai, cai levezinho, sem o xaile
Num tom sol posto forte, padrão de junquilhos
Voa, voa intermitente o pestezinho até aos joelhos
N’oviés molde de propósito para o baile
E o batom rouge a faiscar nos lábios
Mais a chicla tropical em explosão na boca
A entreter trémulas de fogo pra te beijar
E já nos teus braços hercúleos
Para sempre meu amor, ânsia louca
Somos onda de paixão do tamanho do mar.
Maria Luzia Fronteira
Funchal, 04 de abril de 2015
Sobra-me um beijinho
Sobra-me um beijinho em botão
De ternuras sazonais, rendilhado
N’ entrelinhas dum matiz bordado
E n´explosão escolhes tu, o padrão
Vem, só da testa até, até ao queixo
Grandíloquos vão alíseos a caminho
Num rabiscar peripécias, devagarinho
Ai das partes vizinhas, mais a abaixo
Incendeio teus beicinhos à rés breve
Retroajo, ao pico do nariz tiritante
Serpentezinha é tua língu’a labutar
N’airada já sem véu, ave-maria, ave
Ciente no pecado, pejo no semblante
E o restinho das partes, entr’o bipolar
Funchal, 24 de julho de 2014
Maria Luzia Fronteira
Vertigem
À nossa, e à vossa, excelente saúde
P-o-n-c-h-a, dita assim, soletradamente
Vai um brinde, ao nosso bom presente
E ao futuro, sempre, com muita saúde!
Cheiro e sabor cítrico, e ascórbico
Aguardente, Laranja, Limão e Mel
É a labuta, das mãos, interminável
Líquido miscível, jovial, afrodisíaco.
Corrompe o mais santo ser, seu cariz
Seja deusa, musa, ou sereia, miscelânea
Não sei, só sei que é um doce chamariz
Linda da Serra de Àgua, só, de nome aquosa
Natur’ insaciável, quente, feliz e vulcânea
Bebida da Madeira, fresquinha e vertiginosa.
2008.07.06
Maria Luzia Fronteira