Acreditar
Nas nuvens que o céu criou
Se afasta a tempestade
Que em mim lágrimas chorou.
Nas linhas que o tempo traçou
Teço momentos de oiro
Bordados de eternidade.
Na lua nova crescendo
Renova-se a minha história
Na onda enrolando a areia
Posso ver-me na memória
E no desejo de amar
Deixo-me perseguir o meu sonho
Deixo-me alcançar o destino
Deixo-me acreditar.
Renascimento
As madrugadas são recomeços.
E continuação.
Banho de luz e cor. Cheiro e sabor.
Pele e alma prontas. Despertas.
Estradas abertas.
São as crianças semeando. Sinais de esperança.
E jovens prenhes de desejos. Um crescendo. Um vulcão.
Corpos nus entregues à real paixão.
Mulheres parideiras dos cinco sentidos. Na noite adormecidos.
Nas almofadas e lençóis alvos.
No cansaço de dias negros.
No rescaldo de tantas lutas.
Nas lágrimas isentas de culpas. Tristes desculpas.
Gritando razões ocultas. Reclamando vidas mais justas.
Menos dor. Mais amor.
E o velho olhando o tempo. Perseguindo-o. Renascendo-o.
Novo alento nas horas.
O galo cantando no morro. E o vento soprando no prado.
E o rio correndo veloz para o mar que o acolhe em braços.
Repetidos abraços.
Deuses e religião. Natureza.
Os elementos na sua certeza.
Comunhão.
As madrugadas são chuva de estrelas em festa.
E o nosso sol chegando. E a lua dizendo até já.
É andorinha voando, melro e gaio.
É um aval, uma certificação.
E pétala de frangipani. Rosa se orvalhando, flor de maracujá. Uma nota musical transformada em canção.
Milagre. Fé e sonho. Verbo amar.
As madrugadas somos nós, tu eu e aquele outro que desperta na noite que cai.
Contemplando o intervalo entre o que virá e o que se vai.
E porque são momentos, são recomeços, todos os dias deviam ser madrugadas.
Lucidez
Quando percebes que não fazes falta aos demais, mas ainda assim ( te ) és útil, mudas a tua posição no mundo.
Sais do centro do universo e encaminhas-te para a maturidade. Lucidez, é o preço.
Deixei lá atrás (3)
Deixei lá atrás horas escaldantes
na sombra das árvores
entre tempos de vindas e idas
pelas vidas de quem não se quer despegar.
Deixei lá atrás a espera
que desespera
nas margens de uma chamada
que não chegava.
Deixei lá atrás as prédicas
que não decifrava
porque o amor me cegava
nas palavras que soavam a música.
Deixei lá atrás o que doei
com intensidade do infinito
o sentido esmerado
do verbo amar!
Em modo particípio passado
deixei lá atrás o amado.
Recomeçar
Nasce a flor no meu jardim
Neste sábado de primavera
Espalha-se o perfume de jasmim
E o sol vem até mim
Num doce e morno abraçar
Embrulhado de quimeras
E canções de embalar
Nasce a esperança
Numa ambição redobrada
Na nova estação.
Brota-me a emoção
Tatuada na minha pele
E no verso que me faltava,
Ao poema por inventar
Nasce a vontade de amar.
Tocam sinos dentro de mim
Preparam-se foguetes p'rá festa
Chamo a fanfarra e o que manda
Ofereço a mão para a sina
E nas linhas vejo caminhos
E pontes
Que me levam p'rá outra banda
Onde quero ficar
Bebendo nas velhas fontes
Para voltar a sonhar.
Ofereço-me às noites estreladas
À lua que enfeita o céu
E também às madrugadas
Ao chão barrento me ofereço
Ao crepúsculo feiticeiro
E ao albatroz do sul
Que a voar é primeiro
Ofereço-me às tempestades
À onda e ao seu marulhar
Ofereço-me feliz
Qual alegre petiz
Ao desejo de recomeçar
Construção
A Liberdade conquista-se.
Constrói-se.
Exige-se, respeita-se e merece-se.
Não se conforma.
Não cruza os braços nem baixa os olhos.
Viver sem Liberdade não é viver.
É rastejar.
Viva a Liberdade!
Agora e sempre.
Poema desfeito
Os versos e enigmas misturavam-se
e eu desejava decifrar
nas formosas palavras
um perfume de carinho que delas exalavam (?).
Acabei a imaginar
porque o destino quis
outros rumos tomar.
Existência tão desafinada
detém meus sentidos
noutro lugar.
Volúveis, tão insondáveis,
estranhas e tão amáveis
eram aquelas palavras
que em verso o poema desfizeram.
Em tempo
Atravessei o tempo a olhar p'ra trás
Como quem se perdeu do que a vida traz
E sonha futuros sem ambição
Sem amor-próprio
Nem coração
Atravessei o tempo a olhar p'ra trás
Não pelo que deste ou me dás
Não porque espero o que é distante
Nem nesse olhar
Te vi amigo, amor, amante
Alguém que quis eternizar
Atravessei o tempo a olhar p' ra trás
Porque quer estejas,
Quer chegues e logo vás
Sou eu, em ti, que preciso ser
P' ra me lembrar que não morri
Para a minha estrada percorrer
E o horizonte se não entardecer
Em ti...
Atravessei o tempo a olhar p'ra trás
Não sei como fui capaz
De avançar e aprender
Que amar é dar, mais que receber
Mas sei que aprendi
Que o que te dei
Não foi mais, do que a mim eu dei
Por isso tudo ganhei, nada perdi.
Despertando-me
Agarrei a madrugada.
Com a mão que te ofereço e o coração que te pertence.
Inspirei o aroma do orvalho, como se fora gesto único e fatal.
Nas gotas transparentes que beijam o alecrim despertando-o,
no cantar frenético dos melros, pintassilgos e rouxinóis,
em festa, na brisa suave vinda do mar;
e no silêncio do dia libertando-se das trevas, na sua subtileza do belo, rendida à Natureza, tudo me gritou sem segredos que hoje será diferente.
Serei mais diferente...
Estamos em tempo de mudança.
E eu acompanho a mutação sem me transformar num camaleão.
De olhos postos na tela colorida dos dias que me são dados viver
e naqueles que hão-de vir.
Colorindo-me com alegria e confiança.
Aprendi com os seres felizes que todos as manhãs é preciso acordar o dia.
Agarrar o tempo e pendurar o sonho no sol.
Como papagaio colorido, nos ares, que nos faz mover e desejar.
Gozar. Crescer e cuidar.
Em mim a mudança acontece. Não me nego ao sol que me invadiu o espaço, entrou na pele e me fez rejubilar.
Não te digo não,mesmo se ainda não me perguntaste,
assim-assim, talvez ou o tradicional sim?!
Vou amar-te tanto, como amo os dias que queria vivos em ti.
E aqueles que em mim vives.
Vou amar-te mais do que te amo,
porque alimentas esta fé que me nasce nos dias,
que agarro a cada momento
de partilha, doação, voz, palavra, poema.
Emoção.
Vou amar-te mais do que te amo porque me fazes feliz e livre.
Porque me fazes sorrir e acreditar.
Porque... meu amor, não sei fazer mais nada.
Tão bem...
Agarrei a madrugada.
Com a mão que te ofereço para me passear nesta estação de solidão.
E com o coração de quem não mente o que sente.
E nunca te disse que não.
A voz
É quando a noite se cala
E dorme o sono dos justos
Que a voz quente da terra
Me acorda
E me chama a sonhar passados,
Futuros
Pecados...
Que a voz quente da terra
Inventa
Impõe
Proclama
Leis na madrugada...
Que a voz quente da terra
Me envolve e me oferece
Desejos
Seus medos
Segredos...
Que o meu coração aquece
E a alma recebe
Voa e cresce...