teu lugar meu lugar
_______________era uma conversa informal.
sentou-se
escondeu-se por entre o vício e o gesto da timidez
e
disse:
imaginar-te não é apenas imaginar-te,
mas querer-te de posse como eu quero e tu nem imaginas
porque te possuo sempre que desfilo o olhar e a alma nas linhas que escreves
tombando nos entre espaços sem vírgulas
com que me provocas
não sabes
mas
neste momento
o meu joelho toca o teu e desenha ritmos no ar
o meu fumo beija-te o rosto
trazendo-me o teu gosto aos sentidos
[no meu silêncio: não sabes
mas eu sei
e é sabendo
que te construo em palavras sobre linhas
em cada noite em que te pertenço
e tu não chegas a saber]
por dentro...
és como uma fome que me acorda durante o sono
na preguiça inconsciente de eu ser
também como me desejas
e eu
púdica e nua
passeio o meu vestido de organdi
por entre os teus sonhos sem saber
do verão desse outono
dos gestos nesses teus silêncios que assim me tocam
sem piedade
de Mark Eliot LOVETT
Nuno Júdice (29 de abril de 1949 - 17 de março de 2024)
Um Amor
Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.
(a um professor, ainda que breve; ao comunicador; ao Poeta, um dos meus preferidos).
...
Tina Palmer
descobre-me
que eu própria não sei
os desertos
de tanto o serem
acreditam na chuva
mas não sabem já como se floresce
choro as memórias que guardo
http://joserosariodiarias.blogspot.co ... /10-de-julho-de-2018.html
… sob um guarda-chuva
recordo a chuva miudinha
as compras feitas na véspera
as lojas apressadas pela ceia familiar
e era mais a prenda para a tia
para a vizinha do 1º esquerdo
sem Natal já
a correria por entre
o cheiro a castanhas
a fritos e ao rei dos bolos
à humidade escorregadia do Natal vivido
passavam sacos roçando as pernas
molhados e misteriosos
os guarda-chuvas altos salpicando os pequenos
era Lisboa
a minha Lisboa
e tudo cheirava a vida como só
quando se é criança
e o pinheiro exala a resina pela casa
não, não há saudade como essa
e que outras ainda haverá
recordo Pessoa e o bolor pelas paredes da casa
sem aniversários
e penso em quantos já perdi
quantos me restam e perderei
preciso:
fecho o guarda-chuva
antes que a chuva entre
ou o resto da vida saia
intemporalidade
A. Brito
... e guardo comigo o sonho
oculto pela cortina semicerrada dos olhos
é nuvem quando chega
brisa quando fala
maresia nos gestos
fala-me ao ouvido
sem palavras
apenas no bafo tépido que descodifico
que incendeia
que permanece depois do acordar
[apenas memórias de uma outra vida
até hoje]
incógnito
Luis Ortiz (@luis_ortiz_fotografo) • Fotos e vídeos do Instagram
e vem aconchego
salta
[clandestino]
o parapeito da minh'Alma
insinua-se sombra nas paredes do meu quarto
deixando toque d'encantar
do silêncio da sua boca liberta acordes de Bem-querer
de quem me quer
sabendo que quero
e nada diz
pois intui que entenderei a mensagem encoberta no olhar
que nunca vi
e fica em aconchego
aninha-se na curva dos meus lençóis
respirando-me
e ausenta-se à primeira luz da manhã
num rasto furtivo em mim toda
por entre o fogo do desejo não cumprido
sobre][vivência
de porta aberta e sem coragem, fixo as linhas de escrita invisíveis neste fundo branco de luz que apenas não me cega porque a água dos olhos não o permite.
a falta de vontade tolhe a imaginação, as palavras morrem, as asas abatem-se e fico, assim, impotente, face à dor que gela os dias que me perseguem até ainda antes de serem futuro.
remeto-me à aduela da porta, da Alma, sem conseguir fechar a primeira, sem ousar sair da segunda.
sinto-me um mosquito, atirado em vai e vem, desorientado por um ciclone imprevisto neste mapa a que também chamam vida.
Alma
de Alma prevista
sem medo
sem hesitar
saio pelo orifício que espreita o mundo
e solto o vento
e as tempestades
e os sentimentos cansados
acumulados
a previsão cria escudos
defesas
ilumina os rostos descaídos
e é a força nova
de novo
no olhar
podemos ser mais
mais altos
sem deixar o nosso lugar
/é legítimo o que é nosso/
[agrade ou não]
incógnita
Pino Daeni
Daydream
2003
e se o Amor fosse assim
um canto de lençol
algodão
aroma a sabão de Marselha
ah!
e se o Amor estivesse aí
na dobra
no lado macio da vida
quando o tempo gasto acaricia
certezas e sentires
sem culpa nem remorsos
e se
houvesse resposta
no silêncio parado
... e que bastasse