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Poemas, frases e mensagens de Bruno Sousa Villar

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Bruno Sousa Villar

Indie

 
O amor dura rigorosamente 3 minutos e 30 segundos,
mais ou menos a duração dos limites do que pode ser
entendido de uma clássica canção pop.

Em tempos áureos foi um hit com direito merecido a muito airplay,
circulava exaustivamente em repeat pelas vagas hertzianas,
fez furor e culto, angariou groupies dirigentes de um clube de fãs
respeitosos e devotos da sua discografia e das apresentações ao vivo
que guardavam religiosamente bootlegs caseiras de raridades, lados-b
e inéditos.

Era indie rock dançável mais ou menos alegre mais ou menos triste
mais ou menos absurdo como sempre vi os pavement.

Hoje quando se vasculha a montanha de pó frio da memória em
busca dos discos preferidos percebe-se que a fnac já não os vende
remetidos foram ao fundo de catálogo de uma label que mal subsiste
no mercado fonográfico actual, à custa da carolice pelas velhas preciosidades.

Se procurarmos pacientemente será possível desencantar
um exemplar imaculadamente conservado de um
7 polegadas amarelo limão; uma peça de coleccionador
que jamais soará no gira-discos doméstico dos puristas do vinil,
destinada a engrossar a prateleira da estante de um acervo
de um museu de vícios privativos e intransmissíveis.
 
Indie

Até ao Fim do Mundo

 
Envelhecer,envelhecer
a correr,não estar
para ninguém,não
atender convites
desconhecidos
ou amigos que
conheces bem demais,
por isso em vias de
se tornarem desconhecidos.

Sair de casa
sair de casa
a envelhecer
a correr a ser
uma música estranha
de passagem

Envelhecer a correr
metáfora de rio,

não parar,sempre
a correr,parar
é morrer,que
os ossos sintam
essa urgência
evolutiva
e cresçam
em comprimento
cresçam cresçam
cresçam sem dor,
sem nada que os prenda,
amem-se a correr
correr correr
lutar lutar
contra a morte
re-inventar
na velocidade
uma ideia de luz e
não ter medo
não ter medo
do medo,
sem parar
sem parar
parar é morrer
envelhecer a correr
a ser
memória vaga
de flamingo
rumando ao Sul.
 
Até ao Fim do Mundo

As Sete Maravilhas do Mundo

 
Convences-te de que és
uma rapariga simples,
despretensiosa,mas

eu fito-te e observo
em êxtase,sete maravilhas
do mundo,porquê?,

perguntas,desconfiada,

ora,não sabes?,cada
semana compreende

sete dias e mais
afortunadamente o
processo volta

trezentos e sessenta
e cinco dias,sou mais

felizardo,se for ano
bissexto,são sete,as
maravilhas,tu,escusado

será dizer,o mundo.
 
As Sete Maravilhas do Mundo

Movimentos

 
Aos 3 vivia fascinado pelos comboios
e pelas viagens que se podiam fazer neles.

Mais ou menos aos 8 entrei pela primeira vez num,
a memória envernizou o momento,as paisagens
e a luz eram sempre diferentes,pensei já
nessa altura que o movimento era um grande arquitecto.

Hoje percebo que a metáfora da viagem mais não é que a
da metaformose dos anos reconstruindo-nos,cada vez mais
desassossegados,mais certos que só em marcha,
conseguiremos chegar ao ponto de intersecção do ferro cruzado dos nossos caminhos.

Por isso renovamos perdas e danos a 300 km /h por dia.
Somos piores que cobras.
 
Movimentos

Em Terra de Estranhos

 
Desembarcou do autocarro cor de ferrugem, onde até os mosquitos o estranhavam, ao princípio da tarde, perto das quatro horas, em companhia de cães, gatos, vendedores de rua, polícia armada até aos dentes de morte a tiracolo, conversas agitadas pitorescas de mais velhos e menos velhos, rugidos de motas, moscas,muitas moscas, casas amarelas arruinadas, a revolução a cair de velha, quando lhe pediram lume :não fumava,porém, como não sabia falar a língua local, tomaram a recusa por um insulto vil.
Ao regressar ao conforto e simpatia da unidade hoteleira construída à alegria e segurança de turistas estrangeiros endinheirados. Sentia-se mais sozinho que nunca, perdido numa ilha de incomunicabilidade, mesmo que, recordavas, naquele instante de desconfiança, ignorância, estranheza, medo, de lume pedido, tenhas muito provavelmente , por um problema de expressão, resistido à/ao amizade, angústia, amor, morte, delito menor. Recordavas agora, feliz, por tudo não ter passado de um conto policial de fantasia sul-americana que acabaste de ler , europeu estendido sobre a cama feita num quarto de hotel bafiento de uma cidade asiática.
 
Em Terra de Estranhos

13:00

 
13:00 tertúlia taberna do manel penalties vinho
carrascão cervejas caracóis amêijoas à bulhão pato

15:20 praça do rossio mundo funcionário público pressa física vozes gestos.

15:30 homem terceira idade poeta surrealista quase pobre vive por caridade lar artistas idosos livros vendem fortunas

15:45 rapaz dezassete dezoito boné lacoste brincos
rosto sem expressão voz de desafio

16:10 bairro alto beco sem saída

16:12 terror dezassete dezoito anos rapaz assalto
com arma branca

15:20 testemunhas corpo homem oitenta e cinco anos
jaz cadáver poça de sangue poeta quase pobre livros vendem fortunas

15:50 local crime autoridades policiais testemunhas perguntas respostas quem era era poeta

15:51 : era poeta mas era louco e bebia testemunhas maldizer escárnio risos inem cadáver hospital.

15:51 (um ano depois)caso encerrado processo arquivado falta de provas rapaz libertado oitenta e cinco anos poeta quase sem-abrigo morto era louco mas bebia livros vendem fortunas.

O poema em questão é um decalque na forma,não no conteúdo,de um outro do pablo garcia casado.
Não existe plágio,porque senão ninguém escreveria sonetos.Há uma admiração formal.
 
13:00

Glória da Manhã

 
Vivia para a escrita,obsessivo.

Quando quase não vivia,não escrevia.

a primeira palavra escrita
era como que uma antítese
da palavra escrita que se
seguia,um duelo de imagens

devolvidas por corredores e
corredores e mais corredores
de espelhos e espelhos retorcidos.

cada letra uma tensa desaprendizagem,dura,
violenta como uma antologia para o esquecimento,tímida mina,solitária sobre o campo
aberto por pegadas de um geógrafo errante.

Um vício lento,assobiador de moinhos,

[Como o desenho de um esboço de um sorriso]
pacientemente estudado,observado,volume
perspectiva,sombreados,cada palavra um último
imperador.
[evoluindo sobre a face da maior e mais rara das nuvens]


Informação que poderá servir-vos : a Glória da Manhã trata-se,de facto,de a maior e mais rara das nuvens:

"A cidade de Burketown, com uma população de apenas 178 pessoas na Austrália, é o cenário de um fenómeno fascinante. Durante os meses de setembro e outubro, grupos de pesquisadores e curiosos vão para lá apreciar o aparecimento de uma nuvem bizarra, batizada de Glória Matinal (Morning Glory).
A nuvem, que parece um grande suspiro se estende por mil quilómetros e voa sobre Burketown a até 55 km/h. As imagens e os relatos de quem viu a tal nuvem estão no site da The Cloud Appreciation Society (algo como Sociedade para Observação das Nuvens)."

No poema suscita outra leitura,mais não digo.
 
Glória da Manhã

Mestres Ilusionistas

 
Encontramo-nos dentro das portas,

recolhidos em retiro espiritual
de umas seiscentas páginas russas,

Há uma chamada,corremos a capturar

a voz que o ouvido telefónico omite.

Ao fim do terceiro toque,desliga-se o silêncio
na surdez do sinal.

A felicidade é por certo um engano,e em matéria de magias,favorecemos mais os mestres ilusionistas russos.
 
Mestres Ilusionistas

Punhal

 
Com um punhal o homem
passa a sombra da dor
sobre a pele da mão
aberta retesada mas

descontraída sobre o
tampo da mesa de
trabalho,passa o punhal

sobre a sombra as costas
da mão sobre a mesa,dá
início ao rito,não sem

antes afastar com incenso
maus cheiros e maus espíritos

No homem do punhal o rito
de muito devagar a
muito depressa,a ponta da

dor de cabo branco,passa,
penetra nos intervalos,
como os homens se soterram de
de aniversários,o homem agora
frenético,vai perdendo dedos,

E o incenso afasta maus cheiros
e maus espíritos,perfuma o sangue
e os dedos deslaçados da mão sobre
o tampo da mesa de trabalho

:o homem,um livro
de presenças,

do incenso o fumo só,
uma dor muito fina,nenhuma falta,

nenhuma ausência para afastar maus
cheiros e maus espíritos.
 
Punhal

Alfabetismo

 
Ainda que nos avizinhemos perigosamente
da margem da folha,há que morrer devagar,
fazendo parágrafos ou dividindo versos,
não errando sintaxes, ortografias,acentuações e pontuações.
Morrermos devagar gramaticalmente correctos.

Há que morrer devagar,como o poema que sob a
flor da própria superfície escreve um nome
por extenso,conhecendo só ele a boa aplicação
das regras da translineação.

devagar,respirar,letra,a,letra,o,
poema,é,baile,de,máscaras,de,oxigénio.
 
Alfabetismo

Bushido

 
Como a flor da cerejeira,
não esperámos
presos ao ramo da árvore
até murchar,
não ganhámos raízes;
deixámo-nos tombar na neve
no apogeu da beleza,
de casaco preto e de
cachecol vermelho,
o inverno do nosso
contentamento.
Fomos como os samurais,
de espadas nos punhos
trespassámo-nos
um ao outro
na flor da idade,
através de um domínio
perfeito do corpo e do
espírito, pelo treino regular,
não para vencer,
mas para não
sermos vencidos.

Simbologia

Originária da Ásia, na cultura japonesa (chamada de Sakura no ki) sendo o significado de Sakura flor de cerejeira a cerejeira era associada ao samurai cuja vida era tão efémera quanto a da flor da cerejeira que se desprendia da árvore.
 
Bushido

Longe do Coração

 
mulher velha. aposentada. mãe de três. padecida de dores. costais. era muito velha. a mulher. via mal ao longe. precisava de óculos com lentes. progressivo era o longe. precisava de apêndices ópticos. a mulher.não tinha apêndice. "também não serve para nada". dizia. A mulher.muito velha. via muito mal ao longe. mas não gostava dos óculos. como o apêndice que não tinha. ignorava que tudo faz falta.A mulher.muito velha.com dores costais muito velhas. por vezes esquecia-se dos óculos. pousados na mesa de cabeceira. com os medicamentos da manhã. A mulher. muito velha. não lhe doíam as costas. não tomou os medicamentos. estava esquecida da dor. não servia para nada. a dor.como o apêndice. os óculos esquecidos na cabeceira.ora a mulher. esquecida das costas. muito velha. via mal ao longe e. algures no poema da mulher muito velha. um pássaro madrugador cega.
 
Longe do Coração

Pelos Ares

 
Os dias reciclavam-se em larga escala,
como os livros tenebrosos de tão maus,
que não doavas a instituições de solidariedade
social acolhedoras de órfãos que mal sabem ler e escrever.

Quiseste queimá-los os livros e as pessoas
neles, de tão mau o seu teatro tenebroso,
mas os livros ardem mal, e as pessoas há muito
se consomem pelas línguas dos livros,mas não
são pessoas, não são fogo, ou melhor, não são fogo
de queimar, são fogo pálido ou fumo nauseabundo, como os dias,reciclados o fumo branco das manhãs, das noites o fumo negro.

O fumo é o meio termo entre o líquido
e sólido,gasoso é o seu sismo,na escala
de richter quando se suava mercalli,
efervescente o seu reverso,fumo,fuga de gás
em habitação de amantes
a tomar um banho de água tépida,
os corpos a servirem de esponja e hidratante,
shampoo sobre as palavras opacas,
diariamente lavadas por isso de raiz apodrecida,
como a água,morna,como os dias,
todos reciclados,como os livros e as pessoas nos livros.

Que são tão ruins quanto as de fora dos livros,
e ardem mal como os livros,e são fumo,
fuga do gás dos amantes esponjosos,
hidratados pela água morna,como os dias,
a fuga de gás reciclado em larga escala,
a água,morna,de argumentação tíbia,morna,frouxa,
como os livros,arde mal nos corpos hidratados
dos amantes gasosos,não aquece nem arrefece.

São diplomáticos, ficam-se pelo meio,
mas eis senão quando,como depois do fogo,
alguém se lembra de acender um cigarro
de recompensa e vai tudo pelos ares,
menos os corpos gasosos em fuga
das palavras da raiz apodrecida dos amantes,
como as pessoas e os livros,ardem mal,
diariamente lavados,pela água morna,
não aquecem nem arrefecem.
 
Pelos Ares

Nocturno em Sódio Maior

 
Era um músico que não reciclava,
promovia a inseparação das notas
melódicas dos sons dissonantes,
e chorava desprotegendo
o rosto do ambiente,com
instrumentos estranhos:
alaúde;kora;e tablas.

Era um músico que quando tocava,
na assistência da grande sala de
concertos ouvia-se o choro por inteiro,
sódio e solidão perfeitamente irmanados.

E algo tremeluzia no fundo do arco
das suas íris,pois quando chorava,
o resultado final corria em forma
de rio selvagem,homogeneidade indomável
de dor e alegria rumo à ponta do farol
da língua,guia turístico do sal.

Era um músico crente de que quem recicla
sofre pior,porque incompletamente.
 
Nocturno em Sódio Maior

Quase Barcelona

 
Um dia comprei um livro.
O título era "A rapariga que morreu por um livro"
Era uma vez um rapaz nu e era uma vez uma rapariga nua,
Era uma vez um jardim,
Era uma vez um banco de jardim
O rapaz nu e a rapariga nua liam um para o outro livros de poemas
O rapaz nu lia para a rapariga nua
Era uma vez uma rapariga que morreu por um livro e acordou
no jardim rodeada de centenas de pavões
Era uma vez o rapaz nu e o jardim
Era uma vez o rapaz,era uma vez o jardim
O rapaz não era nu e não era livros de poemas e não era a rapariga nua.
Um dia comprei um livro
O título era
"Sou o banco de jardim rodeado de centenas de pavões"
 
Quase Barcelona

Prelúdios de Um Cidadão Quotidiano

 
A cama,acorda,despertador,
lucidez,programada,pontual,
tecnológica.

Quarto de banho,chuveiro,
ralos e dúvidas se vale
a pena.

Cozinha,janelas todas abertas
ao ar da manhã,cães e pássaros
e suas inefabilidades,prelúdios
de algo que tu aprecias e
não sabes definir por
palavras lógicas e
sólidas,beleza
provavelmente.

A rua,bom-dia,luminosidade
natural,café e palavras cruzadas
por pessoas que se cruzam.

Enfim,a vida.

Leitor,não te apresentei
nada de especial:nenhum jogo
de espelhos ou linha de água fluvial
de imagens interiores
aparentes,cálidas,seguras.

Poderei estar a mentir.

Deixa-se a morte noutro dia.

Detém-se uma
dúvida convertida
a certeza razoável.

Sim,vale muito a pena.
 
Prelúdios de Um Cidadão Quotidiano

Coup de Foudre

 
400 coups na
pedra no meio
do caminho do
peito,um vermelho
tedioso,repetitivo,

e regressas aos lábios
do primeiro beijo a preto
e branco em meninice.

400 coups de foudre
a pedra a preto
e branco no meio
do caminho.

Truffaut & Drummond...ou como a Arte força amizades.
 
Coup de Foudre

Espantalho

 
medos têm-me

[nada de novo sob o sol]

mas não me espanto

[eclipse solar]
 
Espantalho

Shine On You Crazy Diamond

 
Vê como a veia,

era vítrea,e demente iridescia,

vitral,cores de uma

árvore que nos conhece,

-tu eras algo um norte que te escapa,comfortably numb aquando da sua chegada,a morte é só uma escapatória possível,como a luz é uma ténue oscilação no campo prisional electromagnético-

the great gig in the sky

sobre um deserto de vozes.

À memória de Syd Barrett,membro fundador e primeiro vocalista dos inolvidáveis Pink Floyd.
 
Shine On You Crazy Diamond

Se tu quiseres

 
Se tu quiseres
podemos fingir

podemos sofrer
um acidente

de viação
na estrada
de piso molhado
de silêncios
e recalcamentos

ladeira abaixo

e eu não te dizer
antes
de sermos
desencarcerados:

-Sempre te odiei.

enquanto ouves
as últimas palavras
de um moribundo

segurando-me a cabeça
ensanguentada.

Se tu quiseres
podemos fingir

posso dizer-te ave
reprimindo
o gosto
pela caça.
 
Se tu quiseres