Frio doce
Um dia destes fico preso
Num desses teus olhares
Nesse dia sentirei o peso
De tudo aquilo que me trazes
Um dia destes fico fixado
Na altura que o teu beijo trás
Que me faz lembrar do meu fado
E de tudo o que ele é capaz.
Um dia destes fico dócil
Com o carinho do teu toque
Que faz da saudade fóssil
E que leva o coração a reboque.
Um dia destes fico louco
Com esse poder de me rasgar
Que me faz saber a pouco
Toda a eternidade que passar
Faena
Somos o país da surdina, da incompetência premiada. E na faena da democracia somos os tais touros que nada sentem. Às vezes gostaria de ver ainda mais derrotes! Mais bravura! Encostados às tábuas, lá colocados por ardilosos cavaleiros ministeriais, começamos por pensar que fazemos ali? Até que a sobrevivência faz nos ir de encontro aos nossos carrascos e olhando-os nos olhos, imberbes, somos alcançados pela bandarilha que nem vimos de onde partiu!
É horrível tratar animais assim. (Os irracionais também! )
Sempre não é muito tempo
Mais um toque teu,
Menos um minuto meu,
Igual a um ninho nosso.
Todos os olhares se orientam
Nenhum me deixa indiferente,
Iguais à réstia do reflexo.
Sempre a transbordar ternura,
Nunca deixes de desabrochar,
Igual à sabedoria da simplicidade.
Dilaceração
Morde-me por dentro e fica a remoer,
E eu sem espaço para mais remorsos,
E sem espaço para crer... caiem os braços mortos,
Do cansaço que é andar com a guarda sempre levantada,
Do cansaço que é estar sempre entre a parede e a espada.
Rompe-me psicologicamente todo o esforço,
E a força que dantes suportava a ilusão cai,
É bom assim não sou enganado dos pés ao pescoço,
Sobrará a cabeça para planear por onde se sai,
Estrangula tudo o que antes foi puramente criado,
e faz com que perca proposito o valor exaltado,
E outrora espesso composto e mais forte...
Deitasse num leito que quase se chama morte.
Esbofeteado inumeras vezes pela vida aprendi,
Que confias quando confiam em ti.
Caminhos
Somos todos feitos de aço,
Só até ao segundo a seguir,
Que quando nos dão espaço,
Somos os primeiros a ruir.
Dos escombros se renasce,
Para poder ser um ser melhor
E por mais tempo que passe
Não existe verdade maior.
Criamos todos os nossos caminhos
Colocando pedras para mais tarde tropeçar
Incautos pensamos só nos pergaminhos
Que queríamos ou queremos mostrar.
A vida não é feita do que nós planeamos,
Mas do que acontece quando nos desviamos.
Sou velho...
Sou velho... tolhido e tremido pela vida,
Um trapo absorto numa viela esquecida,
Sou um velho, de olhar perdido no tempo...
Sou assim porque apenas assim me suporto e aguento,
Sou velho... porque os anos já passaram demasiado por mim,
e de mãos tremulas acredito infantilmente que ainda precisam de mim,
Sou levado e divago pelos pensamentos que insistem em ser lembranças,
Que sou eu se não um monte infundado de esperanças?
Planos? sou velho... não tenho tempo para nada,
e é isso que me ocupa o tempo, e mal tratada,
Continua a memória a memoria daquilo por que passei,
porque passado já não, presente não sei e futuro não terei.
Apenas queria não esquecer aquilo que ainda sei.
Sou velho... um empecilho p'raí esquecido, como uma encomenda,
Daquelas que nunca chega ao destino... ahh.. agora já não tem emenda!
Oiço os passos ao fundo que me gritam aos ouvidos a visita,
Quando olhares para mim serei um velho com a vida circunscrita.
Já nem velho sou... nem humano apenas a lembrança de alguém,
Quantas gerações durarei? uma? duas talvez?
Assim que se esgotar o que ensinei, morrerei de vez.
Ser é recordar
este poema foi feito depois de ter emitido o meu programa a falar sobre a doença de Alzheimer. Um tema que me tocou bastante!
São seladas à força, com cuspo,
As recordações que se mantêm como tal,
Tremulas miragens, em forma de susto,
Que agora te deixam quase em transe mental!
Todos os gestos sem valor, já não ficam,
Como coisas que nos autorizamos a lembrar,
Os teus dias já não esticam, porque não estão a passar.
Nos raros momentos em que dás a mão ao passado,
A tua cara ganha a vida que a ausência tirou,
Completas então um circulo agora sim fechado,
Mesmo que só por momentos o teu mundo não parou!
Não consigo lembrar-me da ultima vez,
Do que consegui ver em ti nesse dia... Finalmente!
Repete lá outra vez peço, em surdina, cordial e friamente.
Afasto-me da cadeira, ou do sitio onde estás,
Digo, penso e faço, com que este nosso problema seja teu,
Fiz tudo o que quis poder fazer, mas tanto faz,
O medo é humano e foi ele que me venceu.
Mais uma vez culpei tudo... quando fui eu a falhar,
O meu castigo é que ser é.. recordar!
(in)Descrições
Vou perdido para a minha reta em sentido Proibido,
O sentido da felicidade do Amor...
Nesta terra assim, que calco, esquecido.
É, porque quase sempre foi, assim que me sinto
Mas quem quer saber da tua alma?
Quem querá dizer que merece paz, tranquilidade, calma...
(digo a chorar)
Porquê?! só gostava de ser feliz, sem mais nada,
nem queria ter tudo aquilo que já quis... não queria isso,
Quero poder respirar sem me procupar se estou a incomodar alguem,
quero poder viver a minha vida sem me preocupar com mais ninguem
(de punhos cerrados com os olhos lavados na agua salgada)
Quero libertar-me de mim, porque me mal trato assim?!
Como se já não houvesse gente suficiente,
Porquê??! não quero isto para mim....
Não quero ser assim para sempre!
(introspeção)
Coisas que digo, que penso mas sobretudo que sinto,
Podem parecer exageros, e em certa medida até o são,
Pode até parecer muita coisa, mas é só medo que tenho de ter medo...
Medo de tantas vezes ver "não!".
Porque a força dos mais corajosos e todas as suas esperanças,
é porque se parassem para pensar eram dominados pelas suas proprias inseguranças.
Sou como... Sou
Sou como uma Simone que chora cupiosamente,
Sem controlar, e demonstrar a suposta força permanente,
Mas pelo menos sou eu... sinceramente.
Sou um Pessoa sobreo que consegue chegar as entranhas,
De todas e de cada pessoa, mesmo que com mascaras e patranhas,
Mas pelo menos compreendo ou tento até com as mais estranhas.
Sou um Cesar com duvidas e recioso de escolher e falhar,
Como medo de perder, mas com vontade de arriscar,
Mas pelo menos com a coragem de querer acreditar.
Sou como um Da Vinci sem ideias nem inspiração,
Que domina tantas areas mas que tantas vezes se senta sobre a solidão,
Mas pelo menos tenho a coragem de expor e abrir o meu coração.
Sou muitos diriam então uma colecção de actos falhados,
De medos, de coisas inacabadas de defeitos demasiado espelhados,
Mas ao menos diria eu que sou uma colecção de momentos precedentes de acertos inusitados.
Sou como me criaram mas mais ainda como eu escolhi ser,
Sou o que sou e tenho mais a ganhar do que a perder!
Sou quando sou... e quando sou eu sou mesmo a valer!
Shadows
A sombra… Lugar fresco e gélido onde aqueço e regenero a alma, mas com a calma que a sombra proporciona a quem dela quer algum conforto.
Vamos fingir então que a sombra é uma pessoa, porque efectivamente pode-se sem prejuízo da raça humana fazer essa analogia, pode fazer-se, porque a sombra foi interpretada pelos Homens e por isso tem tantas perspectivas e tantas formas de se encarar como o próprio Homem.
É engraçado constatar isto só durante a construção da sombra deste texto, ou seja o que eu quero dizer é que, as entrelinhas do texto funcionam um pouco como a sua sombra, mas só vemos sombra se houver luz a incidir sobre algo, então, e já que este texto tem sido uma analogia dele próprio, a luz seria o olhar do leitor a incidir nas letras. No entanto a sombra “roda” conforme a posição do foco de luz e isso seria representado com os diversos ângulos de que este texto pode ser olhado por um ou mais leitores.
Passada esta fase mais literária, acho que devo falar da sombra que qualquer coisa animal ou objecto produz. Falando disso pode dizer-se que neste caso a sombra é mais abrigatória e menos abstracta, aliás as minhas noções de sombra advêm do facto deste elemento físico existir.
Passando então para um tom mais próprio meu (sentimental) diria que por muitas vezes visto o fato da sombra física, descansando à sombra, para que combine com a parte da alma que vive momentos de escuridão, mas com certeza já me sentei, deitei e fiquei de pé á sombra física para poder desfrutar da luz que houve em tempos dentro do meu ser (queria esclarecer que particularizo em mim mas que tomo em consideração todos).
Gostava e lembro-me disso muitas vezes, que por vezes o corpo se aquecesse á sombra, e porquê? (esta sombra é mais abstracta) Porque já existiram vezes em que o meu corpo aqueceu numa sombra junto a mais alguém. Mas sozinho é muito mais difícil. Embora por vezes tente faze-lo…
A Sombra e a minha sombra andam inteiramente ligadas, de tal forma que muitas vezes não consigo discernir nem delimitar a minha sombra no passeio. Ás vezes essa sombra podem ser só reflexos numa t-shirt mas depende de quem a veste fazer parecer esses reflexos tristes ou alegres. È um pouco como vestir a camisola da vida quando nascemos, depois vamos colorindo apagando e rasgando e cozendo até que um dia ela nos deixa de servir, mas até lá já fizemos muitos desenhos nela.
A sombra também pode ser e é com certeza um elemento erótico, não quero entrar em pornografia, mas sim em erotismo, porque escondendo sobre o seu “manto” partes da pessoa, que podem ser partes aparentemente sem importância mas que escondidas na penumbra realçam outras de modo a tornar o corpo, desejável aos olhos daqueles que deixamos olhar assim.
Por isso escondendo coisas, partes, sentimentos, ou outros a sombra mostra o outro lado de uma “coisa” que por vezes sem essa interpretação ficaria incompleta.
Terminando em tom menos analítico e mais poético:
- Se a sombra me quiser consumir… pois que consuma, mas que “ela” não se esqueça que não se consegue consumir a si própria!