Doma-me por Inteiro

Data 28/09/2009 05:04:21 | Tópico: Textos


Chove lá fora. As gotas ofuscam os vidros da janela da sala, e, alheias são elas ao que se passa cá dentro. Já passam das 22 horas, e, tu ainda não terminaste de se arrumar. Do jeito como a chuva devorava o tempo, os ponteiros já não mais iam recuar ao nosso encontro. Não me importava com o tardar das horas, ali tendo o valsar da chuva diante dos olhos. A mim importava tão somente ficar tanto tempo assim privado de ti. Mas, sei do quanto gostas desses teus momentos em diálogo com o espelho, e, não seria eu deveras avaro a te roubar só para mim. Embora, muita embora, a idéia me tentasse, confesso, e, não mais me parecesse de todo ruim. Levanto-me do sofá, depois, a sobrancelha. Sorriso moleque de canto.

Raios. Riscam-me o céu de um lado a outro. Em cima da mesa, uma taça de vinho tinto e doce, servida por ti, ainda antes de saíres ao teu colóquio. Estrondo. O barulho provocado pelo raio estremece, de leve, a mesa junto à janela. A taça titubeia, e, o vinho reverencia-me, beijando-me os sapatos. Molhados. Molhados como meus lábios quando se provam dos teus. Abaixo-me a altura da mesa, e, com um lenço colho as gotas derramadas em meu sapato. Novo estrondo. Mais um vibrar sobre a mesa. Desta vez, as gotas não se contentam em se rebaixar a tanto, e, se juntam a me banhar todo o peito. Manchas purpúreas sobre a branca seda.

Levanto-me do chão, constato-me da vingança do vinho! Os ciúmes não foram ao acaso, e, se dos meus lábios não pode beber, como assim os teus fizeram, que seja somente seu o meu peito, beijando-me inteiro assim ao seu jeito. Desfaço-me dos botões de cada um de seus enlaces. Sobre os vidros molhados em mosaico, um clarão reflete teu corpo finamente vestido, rogando-me susto que não te distrai os olhos. Tomei a tua direção, e, tu ainda mais bela, puxa-me pela parte já entreaberta, desnuda e arranha-me o peito com o leve roçar de tuas unhas sobre minha pele.

Quedei as pálpebras, olhei fixamente o minucioso trabalho de tuas mãos. A chuva se apodera de todos lá fora, e, cá dentro, tu já me dominas por completo. Mais um raio riscando-me os céus. Mais uma unha tua marcando-me as costas. Dos raios, resulta-me a escuridão. De tua unha em minhas costas, o fim de todos os sentidos e qualquer fragmento de razão. Devorado fui por cada um de teus desejos, entreguei-me de uma vez a esta minha paixão.

Peguei-te pelos braços, joguei-te junto à parede. Prendi-te com o peso do meu corpo, apoiei meu quadril junto ao teu. A claridade dos raios invadia toda sala, mas nada se permitia passar por entre nós. Eu já não mais deixava. Tu já nem mais podias. Encosto minha testa a tua, meu peito junto ao teu. Minha mão percorre tua perna, fazendo-te carinhos, apertando-a levemente. Minha boca se embebe do teu colo, tuas mãos percorrem as minhas desnudadas espáduas, descem-me as costas, sobem-me ao pescoço, bagunçam-me, puxam-me pelos cabelos. Seguro-te inteira pela cintura, abandono teu colo, ergo a cabeça. Teu cheiro ainda me queima as narinas, e, tua boca me fomenta insistentemente. Pedes-me que não pare. Perco-me em cada um de teus detalhes. Os delicados traços dos teus lábios, a sedutora maciez de tua pele, o inebrio do cheiro do teu corpo abandonado, o teu olhar que me queima quando me queres.

Sucumbo-me aos teus beijos, entrego-me inteiro, declaro-te aos ouvidos, meu amor eterno. Dize-me que amas assim nesses nossos sussurros trocados, não me deixes lá fora, por nem mais um inverno. E se amanhã não te lembrares de nada dito ou escrito que seja, entendas apenas que é somente a ti que eu quero, cala-me a boca, corre e me beija.



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