Que seria o teu tempo sem o meu verbo?

Data 30/06/2007 14:49:08 | Tópico: Poemas -> Amor

Que seria o teu tempo sem o meu verbo, amado,
sem as dúcteis palavras que escrevo
no verso elástico do silêncio?

De que encherias os segundos, vastos
de tão obesos, esses, que presentes,
que constantes, em dicotomias de signos
distantes,
nos ausentam de nós?

Se é do aroma dos meus dedos
empolados, sedentos, deslizados sobre claves de Sol;
Se é do verde secreto dos meus olhos
depositados numa tela,
que noite e dia - no dia que já foi noite
e na noite que ainda é dia -,
nesta utopia,
te embalas e t’alimentas;
Se são minhas todas as letras mudas,
todos os signos
todos os riscos
com que te desenhas e com que escreves
ternuras feitas de penas,
plumas carnudas,
refundidas em esconsos de poemas?
Se são igualmente meus os traços
esfumados, translúcidos, de um rosto
colado ao teu,
justaposto,
tal esfíngica mortalha de linho,
tecida no degredo de recalcar um segredo,
no tear ancestral,
na teia boreal, de loucura e de fascínio?

Ah meu amado, que me importa agora
se não me queres a teu lado?
Se foges de mim, de ti fugindo,
em caminho sincopado e logo desencontrado?
Se a cada hora,
a cada dobra,
a cada esquina,
a cada vaga,
dum um mar aberto, negra estrada,
me navegas a alma por dentro,
em intempéries d’algodão,
pisando rosas,
nos espinhos de crueldade e de paixão
- narciso vestido de arco-íris, enjoado a cinzento -,
e por fim, em fúria de desalento,
desembocas folhagem livre e solta,
sem rota de navegação,
num rio de luz e te quedas no abrigo do meu colo,
no epicentro do teu e meu coração?

Que seria o teu tempo sem o meu verbo, amado,
sem os poemas que te escrevo,
e onde em labaredas de esperança
te embalo e me emolo?



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