Avózinha

Data 05/10/2009 20:43:34 | Tópico: Duetos

Pela idade arremetida
No tempo que omite o berço
Uma alma se dispersa
Numa oração sem terço
Vê-se criança a chorar
P’las memórias do começo
Da existência a voltear
Nos atalhos do sonhar…

Chamam de senilidade
Aos êxtases de erudição
Às cismas de elevação
Aos rasgos de veleidade
E ao falar do passado
Que em alento crê viver
Vê o esposo já finado
No filho a envelhecer…

Vai arcada de saudades
Pétalas de siso no olhar
Dos lábios, mariposas de água
Nasce o verbo a marejar…
Nas mãos mármore delicado
Sinal de suave adejar
Segue o caminho do azul
Como quem esquece o andar…


Nos nódulos do teu rosário,
quase extensão da brancura
das tuas mãos transparentes
onde se mostram as vias
sacras que a pulso subiste,
avó nossa, do céu tão perto,
caem-te lágrimas lentas...

Em cada, uma história finda,
um diluir de memórias,
rarefeita lucidez,
mas nos olhos que as vertem,
bem lá no fundo da íris
onde te definha a alma,
vive um brilho que reflecte
tesouros não enterrados.

E o teu rosto é um mapa
onde se escondeu a Vida
e onde se lê uma história
nas secas linhas vincadas
do teu dormir de paz doce...
Cansada de tantas glórias
recolhes-te agora às margens
do imenso rio que foste...


RoqueSilveira
Sterea



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