Sementes de amor e esperança

Data 09/10/2009 14:23:13 | Tópico: Contos -> Infantis

O dia amanheceu com aquele cheiro a hortelã. Tio Janeca chamou o sobrinho Zeca que, ainda, dava voltas na enxerga de palha a que chamava de cama.
- Levanta-te, Zé preguiçoso, que o galo está quase a cantar!
Zequinha era um jovem amargurado, órfão de pai e mãe, no auge dos seus 15 anos, abandonou os estudos porque a inteligência não o havia contemplado e porque ficara entregue aos cuidados do Tio Janeca, seu único parente, eremita por opção, agora, acompanhado do desmiolado rapaz, invasor das suas horas de meditação e contemplação da natureza.
- Oh tio, eu hoje podia dormir mais um pouco, a Xinha está prenha e agora não dá leite, se não tenho de ordenhar a cabra para que é que preciso levantar-me tão cedo?
- Anda, senta-te aqui junto a mim e come estas sopas de café com leite!Sabes? A natureza respeita os seus horários e, tal como tu, também dorme, mas para isso Deus fez a noite. Se somos parte dela temos de respeitar as suas regras.
- Oh tio, mas eu sou parte da natureza?
- Claro que sim, tudo o que foi criado por Deus faz parte da natureza. Olha vem daí, vamos sentar-nos debaixo deste velho carvalho.
- Agora respira fundo e pensa nas estrelas, nas nuvens, no sol e nos ciclos da lua…
Consegues perceber como cada um deles surge e desaparece conforme o horário que lhe foi destinado pelo Criador?
- O tio sabe cada coisa, nunca tinha pensado nisso, eu cá só me apetece dormir.
Nisto, Zacarias, o galo capão, cantarolou a cantiga que Deus lhe encomendou para acordar a humanidade e Zeca entendeu finalmente que àquela hora da madrugada a natureza despontava na sua plenitude e quem muito dormia nunca haveria de testemunhar tamanho milagre.
Ali, mesmo na sua frente, o carreiro das formigas atarefadas atropelava-se na correria desenfreada pela sobrevivência, ainda mal rompera a aurora e já estes seres minúsculos cumpriam o seu destino.
O Tio Janeca tirou do bolso das jardineiras umas pequenas sementes e ordenou a Zeca, com a convicção de quem já viveu o suficiente para ensinar as experiências que a vida lhe transmitiu:
- Anda, quero que deites estas pequenas sementes à terra!
- São sementes de quê tio?
O velho eremita respondeu:
- São sementes de amor e esperança.

Maria Fernanda Reis Esteves
49 anos
Natural: Setúbal



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=102345