Antero e os Outros

Data 15/10/2009 13:51:41 | Tópico: Contos

Antero e os Outros

A conversa parecia não ter fim. As dissertações de Antero ecoavam nos meus ouvidos, mas a mente, essa, pouco a pouco, tinha fugido para outros espaços, outras paragens. O meu estimado e velho amigo, passava a pente fino, todo o conhecimento que tinha de si e do mundo. Antero não era um livro, era uma enciclopédia ambulante. Comecei a compreender as razões de olhar para ele, e ter sempre aquele aspecto de quem transportava o mal-estar da civilização sobre os ombros. Seria um golpe fatal, se ao olhar para ele lhe dissesse:
- Acorda! Não passas de uma formiga, a quem os superiores não dão qualquer importância. Esses, a quem tu chamas ignorantes, não vivem no teu pequeno mundo. Pontes que atravessam rios, com comboios à mistura, cifrões e mantilhas pretas, exotismos maquiavélicos, rendas, meias pretas, animais dilacerados, caprichos com molhos à mistura … realidades, que para ti, são quimeras e sonhos. Perante a sua aparente apatia, gritei-lhe:
-Acorda! Não passas de um zé-ninguém, sem eira nem beira.
Pensou, e voltou a pensar, depois reagiu, e para ter a certeza de que o ouvia bem, segredou-me ao ouvido:
-És um doido varrido, e estive, eu, para aqui, a gastar o meu latim. Não te recordas do pai, do amigo que fui para muitos dos alunos. Esqueces os que entraram na faculdade graças aos meus ensinamentos, apoio e força que lhes transmiti. Esqueces aqueles que arranquei às malhas da droga, e do vício. Tudo isto, faz da minha vida algo de que não me arrependo, nem trocaria por nada deste mundo. Antero deu a esta última palavra, uma sonoridade muito especial. De seguida regressou a casa. Pela parte que me toca, continuei a vagabundear pela cidade, à espera de encontrar alguém, ou quiçá, encontrar, apenas, o caminho para casa.




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