MESTRE CARTOLA

Data 20/10/2009 08:45:36 | Tópico: Poemas

Numa noite, morando ainda no Rio de Janeiro, pelas mãos do poeta - Paulo César Pinheiro, e que poeta - entro no morro de Mangueira. Paulinho me diz, com a voz rouca, como um trovão de ressaca: "Você vai ouvir o maior poeta brasileiro cantar."
Duas cervejas. Uma dose de pinga. O negro alto, magro, espigado, não pedia uma pinga, mas uma caninha ( não chamava pinga de cachaça.) Na mão, trazia um violão. A voz rouca dos cigarros fumados na madrugada.
- Me empresta um cigarro - ele diz.
Dou-lhe o maço.(Me deu um maço inteiro depois, que trazia no bolso. Não sem antes me perguntar se eu havia gostado de Ainda é Cedo, Amor -uma das coisas mais lindas que ouvi. "Minha enteada virou puta, sabia?"
Eu fingi que não sabia, mas ouvi.
Fiz uma musiquinha. Quer ouvir?
Já a conhecia, como imortal, pela voz de Beth Carvalho, cantora premiadíssima.A voz deste senhor Angenor( de Oliveira, que nem Agenor teve o direito de ser, por erro de escrivão de cartório) ecoou a noite toda. Lembrei Manuel Bandeira, que talvez ele nem tivesse conhecido, mas que neste espaço onde escrevo, disse: "É o maior poeta brasileiro."
Por favor, ouçam As Rosas não falam...
Mestre Cartola.
Foi sepultado no cemitério de Inhaúma. Não sei se o Ecad lhe pagou os direitos para ser enterrado dignamente. Deixou a viúva Dona Zica.
(crônica publicada no Jornal do Brasil, novembro de 2002, por ocasião da morte de Cartola)


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