O PEZÃO

Data 27/10/2009 15:01:12 | Tópico: Crónicas

Ruizão, 25 anos, conhecido pelo Cospe-fogo, natural de Bragança, um porte atlético que valeria milhões se aceitasse posar nu numa dessas revista de sensação imediata, jogador da bola num clube da segunda que promete um dia quem sabe, se não é esta época, chegar à 1ª liga.

As raparigas, quando a equipa joga em casa, não faltam a um time com seus berreiros de bezerro, na bancada lateral. Ruizão é jogador da frente, marca golos de cabeça e corre que nem bandido no momento em que escuta a sirene da polícia.
O craque só tem um senão: tem um pé que passaria bem por ser a pata de um Tiranossauro-rex.

Calça o 50, apesar do seu 1,75m de altura. Se houvesse muita gente com um pé desse tamanhão, o fabricante de sapatos não ganharia para as despesas do material. A sua popularidade foi aumentando, as contas dos seus golos também, o seu suor nos treinos era bem empregue. Por isso é que arranjou contrato num clube da primeira divisão e a ganhar mais um bocado.

Vestiu a camisola vermelha do Benfica, com o nº 13. Superstição ou não mas calhou-lhe tal número que ninguém o quer. A sua figura passou a ser pública assim como os seus pés de escavadora, como diziam os comentadores televisivos assim que Ruizão pegava na esférico, fintava um, fintava dois e, zás, dentro das malhas da baliza.

Os jornais desportivos dirigiam-se a ele não como o Cospe-fogo mas como o Pezão. As suas chuteiras eram quase especiais e foco de observação das câmeras televisivas que não paravam de lhe apontar na direcção.
O Pezão, inicialmente não ligava a tais bocas foleiras que os adversários lhe mandavam para que ele desmoralizasse ao ponto de perder a pontaria e, desse modo, deixar de ser um perigo para o guarda-redes da baliza contrária.

Só que a conversa era sempre a mesma e, em vez de lhe elogiarem os dotes futebolísticos, as pessoas riam-se da enormidade dos pés do homem.
Começou por ficar psicológicamente desmotivado ao ponto do seu rendimento diminuir cerca de 50%. Facto nunca visto nas últimas épocas. As moças, nas torcidas pelo craque, tinham letras musicais no sentido de lhe lembrar que ele, o Bragantino que foi viver para a capital, tem um pé maior que dois pés normais de uma pessoa normal.

Derivado a esta sucessão de piadas aos pés do jogador, este, farto de ser alvo apetecível de todas as claques de clube, farto de ser apontado como um defeito, fartérrimo de ver o seu nome nas línguas podres das pessoas, deixou a vida de jogador, o seu talento de sucesso, para se dedicar aos animais da quinta, que ele, com o dinheirinho que ia pondo de lado, conseguiu montar negócio rápido sem ajuda de ministérios.

O seu nome foi sendo esquecido, esquecido, até ao esquecimento total das pessoas que poucos se lembram que, se não fosse o nº 13 da época 1993\1994, o Benfica nessa altura não seria campeão. O seu modo de vida pacato deu-lhe azo para casar com uma mulher simples, sem peneiras, e ter à sua volta dois rapazes e uma rapariga.

O negócio foi crescendo, assim como os catraios que ainda há pouco entraram na escola e já andam por aí a fazer disparates. Excepto o Ricardo, de poucas falas mas com uma predestinação para os toques de bola.
Tal pai tal filho.
Até no tamanho do pé. Pelo que se adivinha, o pequeno da forma como está a crescer, terá um pé que pode muito bem ultrapassar as medidas abonadas do seu pai, quem sabe! Certo dia, o filho chegou em casa e disse ao pai:

- Pai, eu quero ser um jogador de futebol como tu foste. Marcar golos e ser um às da bola.

O pai, que sempre teve carinho pelos filhos, que lutou muito para ter o que tem, olhou o filho sem querer desapontar sonhos de ninguém, virou-se para ele com todo o afecto e disse-lhe numa pena como quem desata um fardo pesado:

- Filho, tu não podes ser jogador da bola!

Aí, o garoto respondeu, com a ingenuidade da sua idade:

- Mas porquê, meu pai? O médico disse que se eu atar panos em volta dos pés, como faziam as mulheres chineses, eles pararão de crescer.

O pai interrompe-o, põe-lhe a mão no ombro, e diz-lhe com a erupção do seu sofrimento nas lembranças de quando lhe chamavam o Pezão:


- Não é por causa do teu pé, filho, é por causa...

Não conseguiu dizer o resto. Calaram-se. A noite estava escura e era hora de deitar. O pai, para que ressentimentos não existissem, deu um beijo de boa noite ao filho e, num extenso sorriso, lembrou-lhe para que não se esqueça de lavar os dentes, mas com a escova dos sapatos, já que as normais, ele saberá um dia porquê, não dão que fazer aos dentes dele.



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