A impaciência dos rios

Data 28/10/2009 23:43:02 | Tópico: Poemas

Tanta ave a subir das ruínas ardentes.

- Natércia Freire



Olha este corpo, este corpo que se multiplica

para ser ramo e sílaba e labirinto de sal

entre o sol e o mar, esta voz calada

a rasgar-se por entre as árvores

para fugir à sede das palavras

e arrastar o mundo pelas avenidas

quando a cal da memória seca na pele

tão de repente;



este corpo, corpo meu e às vezes sem dono,

este corpo indomável que se perde na doença da noite,

barco de papel na absurda solidão do sangue,

esta chama teimosa a gritar nas veias uma e outra vez

para manter os olhos bem abertos à confusão dos riachos.



Olha este corpo, tu, indiferente à fome e à tragédia,

que eu confesso já não saber como não ser areia

a escapar-se pelo abismo das feridas.

*

João Coelho
Évora


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