trinta e 8

Data 29/10/2009 18:21:44 | Tópico: Textos


costumava amar-me em espaços e tempos diferentes. amava-me à superfície e eu nunca a soube amar senão na profundidade. era eu que fugia, sempre, por uns dias, alongava-me na estrada para lhe dar espaço, para me dar espaço, para compreender como mudam as pessoas, como se alteram os afectos, para, no segredo da minha própria solidão, encontrar em mim o som dos seus passos, tão violentamente atados aos meus pés, que poucos dias depois estava de volta, e todos os regressos eram como mortes de árvores que se cortam ao meio. como seria possível o amor doer. era na humidade do rosto que se criavam larvas, bichos acostumados à lama dos sentimentos, alimentavam-se das lágrimas e ali iam ficando, junto aos olhos, a criar apatia. em mim crescia uma tristeza passiva, dessas que se encostam a nós como doenças e ficam, a aumentar-nos o negrume nas entranhas. a mim tudo me doía de uma forma lenta, tão lenta que eu próprio não me dava conta de como morria, pouco a pouco, em mim, de amor, ou de outra coisa qualquer a ele tão semelhante que dificíl seria não lhe chamar, amor.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=104892