Bloco de Notas

Data 08/11/2009 16:23:47 | Tópico: Poemas

Afazeres:

tenho que limpar esta vida
sentir, viver outra que não esta.
comprar borrachas que apaguem
as vagas, de um tormento acumulado em currículos
escritos há tanto em papel branco funeral.

(agora negro ilegível, reutilizável.)

tenho que comprar esfregão de palha d´aço,
aditivos corrosivos que estimulem a obsoleta máquina
que jaz no meu peito amarrotado.
dar corda ao ao relógio de parede,
limpar todas as teias do sotão, manchas de fungos
acordar todas as manhãs sem medo e sem dor.
calçar as botas de sola de borracha grossa
colocar os pés bem assentes no chão.
aspirar os vapores de um perfume teimoso
abrir a porta, arejar
sacudir as partículas de pó denso e cheiro a mofo
respirar em plenos pulmões,
sem o eterno suporte de respiração artificial.

tenho que mudar os filtros a esta vida
viver outra que não esta
mas já o disse, não? Quantas vezes?

tenho que ser de novo uma outra,
aquela que esqueci ser
nem que seja a derradeira vez.

tenho que limpar as lágrimas alérgicas que afirmam,
o meu rosto desfigurado ao espelho
com um diluente qualquer
talvez um limpa vidros forte - amoníaco
que não me impeça de reflectir por inteiro.

tenho que arrumar a gaveta de baixo
a prateleira de cima
cada peça meticulosamente guardada
na desordem fiel da memória.
fazer a tal limpeza há muito anunciada
conferir a embalagem de trezentos comprimidos
para que não falte nenhum
deitá-los sanita abaixo em sucessivas descargas do autoclismo.

Se de tanto querer limpar
Só tenho acumulado inutilidades.


só a mim pertence…
tudo o que me resta querer viver amanhã.




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