À Margem

Data 09/11/2009 21:47:44 | Tópico: Poemas

o dia mais uma vez amanheceu
sem as cores da aurora.
as aves brancas naufragaram no espaço e nos sinais da ausência
eu, lá fora.

os caixilhos da janela apodrecidos e lá em baixo,
a solidão sopra forte sobre as águas encrespadas.
falta-me a cumplicidade da tua mão ao acordar
tão comprida e ossuda.
sempre te disse que tinhas mãos de pianista
e , quando tocavas naquele piano agora coxo
aquela melodia sempre nossa,
tinhas mão de cirurgião.

enchias as minhas noites de música,
mesmo quando eu não escutava o refrão .
o sol da meia-noite vinha tocar-me
fazia-te pular descalço sobre a tijoleira do quarto
que cheirava sempre à fruta fresca que trazias
naquele prato esbodegado,
enquanto os lençóis da cama conservavam as ondulações do teu corpo.
cobrias o meu rosto de estátua egípcia com vagos d´uva
e, chamavas-me Neferetti.
por instantes permanecia serena, para depois
descomposta em risos lutar, contra as bravias águas
da tua barba de três dias e as minhas olheiras que tentava disfarçar.
sempre soube que este amor era excessivo
que deveria controlá-lo.

todas as manhãs dizia:
“Consigo viver por mim
Sorrir sem ti
Olhar a vida como um jardim.”

as valquírias murcharam,
talvez renasçam na primavera
o gato, o Janeiro,
aquele que encontramos no primeiro dia do ano desapareceu.
sempre me pareceu que ele um dia o faria,
pela constância do seu sorriso
inalcançável
doce
fugidio
à margem,
estampado na liturgia do mar.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=106401