Requiem do Silêncio

Data 12/11/2009 08:20:16 | Tópico: Poemas



Passa por mim o cortejo fúnebre, olho absorto, lânguido, magro na incerteza do ósculo que te darei. Há braços e mãos brancas, frias, ocultas pela mortalha. Descalço meus pés e beijo tua face obscurecida pelo véu que depositaram em teus olhos. Mergulho em recordações, vidas passadas em instantes, segundos crepusculares, rodados no ponteiro do relógio que não pára. A vida continua, dizem-me as beatas que te acompanham agora. Reduzi-me a cinzas na pira funerária e o séquito desfez-se em loucuras no mármore gelado. Acordei obsoleto e contei-te um segredo oculto. Murmurei nos teus ouvidos palavras mansas, fechadas no baú do tempo, nas arcadas das ampulhetas tontas que contam, intermináveis, paradas e soturnas. Hoje não adulo folhas murchas, nem árvores caídas, devido aos vendavais lá fora, nem piso terras queimadas no verão, nem rosas manchadas pelo sangue devolvido nas veias tenras e nas gotículas das teias, crispadas de orvalho matinal. Falta-me a presença etérea do teu corpo mole e vadio, fugidio na noite má, recusada nos silêncios das areias nas marés da lua cheia. Saceio-me no ópio que se desfaz na vidraça da janela embaciada devido ao nosso hálito morno e no respirar inebriado em sons de silêncio nocturno.



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