Diário da noite I

Data 17/11/2009 08:55:43 | Tópico: Poemas



Chegou a casa, despiu o casaco com o capuz que o obscureceu na noite, enfiou-se dentro da banheira, debaixo do chuveiro de água corrente e morna, talvez pudesse cumprir um desejo, o de se limpar dos demónios que o atormentam agora, no final de mais uma aventura de prazer obscuro, banido, maldito, conspurcado no corpo são. O choro mistura-se com a água nos seus olhos e não se vêem lágrimas, nem dor, apenas algum remorso pela culpa do pecado, saciado e completo, apenas a mágoa por não amar, nem conseguir amor. Não. Não mais o sexo vadio, fácil, dado naquela floresta virgem e despovoada, onde corvos se misturam com gatos de olhares repreensivos e lúgubres, e animais selvagens fazem ninhos e se alimentam das almas dos que lá vão, não mais essa satisfação lhe trará prazer. Ainda molhado do banho rápido decide espreitar a chuva lá fora, que caiu incessantemente durante todo o dia. O olhar confunde-se com o reflexo no vidro baço. Está velho, os 35 anos de promessas de uma vida preenchida já estão ocultos na face enrugada, as lembranças da perda e da falta não o largam enquanto a chuva se demora, lenta lá fora. Foi lá, não sabe bem porquê, talvez a recuperação da infância triste e desolada de amor pudesse ser preenchida. Enganou-se mais uma vez, tal não aconteceu. Na espera pelo sono acende um cigarro mais, junta-se à chuva e à noite, espera que esta lhe traga descanso e não pensar em nada mais.



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