Diário da noite II

Data 19/11/2009 16:27:51 | Tópico: Poemas



Os carros param um após outro no lugar marcado em todas as noites que decidiu aventurar-se na escuridão. Ele espera o mesmo que todos os outros, a satisfação da ânsia interna, da volúpia insana e luxuriosa que o queima e abrasa por dentro. É como uma droga viciante, um ópio lunar, manchado de luz carregada de fumos volantes e deliciosos. Hoje desejava mais que nunca um corpo mais, uma carne dada, mesclada com o negrume, por entre as árvores mortas e despidas, cinzentas, abandonadas na morte incerta e desprovida de carinho. Sente alguma identificação com esses carvalhos que morrem lentamente, encosta-se a eles enquanto goza e espera pela satisfação plena do prazer que chega em leves tragos e suspiros, freneticamente controlados, para obter o prolongamento do êxtase. Não pensa em nada nesses momentos. Por vezes surgem-lhe visões passadas, acontecidas nos primeiros anos, coisas com que luta para que não saiam das recordações e dos pensamentos, que a muito custo conseguiu ocultar. O seu corpo não está despido, nem a roupagem é nova, nem o calçado, apenas as calças descaídas, o sexo erecto, lutando ansiosamente pela desdita que o fará gemer extasiado. Chega mais uma silhueta e entrega-se sem pudor, apenas um momento mais e tudo estará terminado. Poderá então chegar a casa, dormir um sono leve, procurar não se lembrar.



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