Dai-me talento

Data 19/11/2009 22:33:57 | Tópico: Poemas -> Sociais

Tenho tanta coisa dentro do peito
Em forte ebulição, pronta a sair.
As coisas estão alvoroçadas
Como está a terra na água do rio
Que corre veloz, com as trovoadas.

Quero soltar as palavras
Para que a enxurrada decante
Para que o meu rio amanse
Mas falta-me a coragem, a arte
E o engenho para construir frases

Dai-me sabedoria se a tiverdes
Para que o meu grito seja vosso
E para que quando me ouvirdes
Seja de todas, seja nosso.

Sem compreender a razão
As palavras não se libertam
E os remoínhos da minha alma
Que tudo agitam, amansam.

E as minhas palavras aconchegadas
Formam aluvião no fundo
Na espera de serem semeadas
E com a luz despertas
Aquecidas, germinadas.

Dai-me talento
Para deitar para fora as palavras
Na minha alma aconchegadas
Inúteis, caladas.

Quero que gritem o desespero
Das mães esfomeadas
Que assistem à morte dos filhos
Ossos com as barrigas inchadas.

Quero que gritem a humilhação
Das mulheres aprisionadas
Das crianças violadas
E a sua carne vendida
Para prazeres, mas não amadas.

Quero gritar por aquelas
Que de tanta violência sofrerem
Já não sentem o corpo nem a alma.
Impotentes, deprimidas
Já não têm auto estima
Nem forças para reagirem.

Quero gritar por todas aquelas
Com salários de mulheres
E duplicados os seus afazeres
Se escapam sempre a correr.
Embalando os filhos, dormem de pé
E voltam e correm
Ao seu salário desigual, de mulher.

Dai-me talento.
A escrever, quero gritar.


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