Homenagem aos professores

Data 20/11/2009 12:10:18 | Tópico: Prosas Poéticas

O teu olhar mortiço encostou-se aos penhascos, ninho preferencial de todos os falcões ávidos de repousar dos seus voos intranquilos. Nesse recanto redondo de ciprestes, olhas agora a vida pelo vidro da descrença. A motivação que sempre te mostrou o sol por detrás das nuvens cinzentas, cambaleia agora. Deu lugar à apatia. Espalhou-se dentro de ti, num corrupio de metástases ébrias, desordenadas, zombando descaradamente desse teu cansaço crónico. E nem os anti-depressivos, nem os amigos e alguns dos teus alunos mais fieis, parecem conseguir tirar-te de lá…
O teu sorriso arrefeceu, inesperadamente, à mesa de um café, onde tanto gostavas de confraternizar com os teus colegas antes de entrares para a escola para dar aulas. A inconstância da tua profissão, as colocações cada vez mais tardias e a distanciarem-te dos teus familiares, provocaram essa espécie de bomba relógio que explodiu na tua cabeça. A religiosidade que sempre empregaste ao amor pelo ensino, é assim trucidada, por leis descabidas e inapropriadas. Por discrepâncias incompreensíveis. Pela deselegância com que (como professora) és tratada muita vez pelos olhos cegos de alguns que não compreendem
o enorme trabalho de bastidores a que tu e os outros professores, estão sujeitos para cumprirem com dignidade e competência a vossa profissão.
Acusam-te do crime de gostares de ensinar? És ré em escola incerta?
Na adolescência gostavas de vestir os cadernos com as tuas premonitórias reflexões. Profetizavas muita vez que o” âmago”, só tinha o “chapelinho” no (a…) porque se tinha que ensinar as crianças da importância dos acentos e de uma pontuação correcta nas frases. Até isso... deixou de ser relevante.
Pois...!
Por isso… te peço, não desistas. Não desistas principalmente de ti!
Não olhes o sol pelas frisas das persianas. Não trajes o Outono, mesmo que aprecies o rumor cadenciado do vento a resmungar por entre as frinchas das janelas.
Os teus alunos, eu sei… decidiram assaltar os ninhos dos pássaros, desta vez para aprenderem a decifrar e imitar o seu cântico. Sabem que os adoras ouvir e que te sentirás feliz quando regressares à sala de aulas, para espalhar com a tua voz rouca tudo o que tens para ensinar…

VÓNY FERREIRA

PS:- Texto dedicado à Carla, uma amiga minha professora do ensino secundário.



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