
Há quem seja uma casa devoluta
Data 22/11/2009 01:01:40 | Tópico: Textos
| Elas vêm só dar um fix. Entram pelas rachas do chão, de tão magras que são. Aquecem o invólucro meio cheio de realidade, abrem a veia fria, incrédula perante o que vai receber. Foi o que sempre desejou, dar um fix para depois ir à procura do que sonhou. Pobre veia sonhadora.
Depois a realidade entra no braço esquerdo. E sobe. Sobe, sobe, razão sobe, entrando na cabeça, latejando no gerúndio atordoado que o momento proporciona. O olho supervisiona o acto, sorrindo por dependência.
Depois não há morte. Sobe-se ao monte, fala-se com a realidade, sonha-se uma vida feliz com ela, pergunta-se para onde ela vai, só se quer ir atrás dela. Ela diz que vai para longe, longe demais para o alcance da veia sonhadora.
Depois só há vida. O fix desvaneceu, e a veia, vivendo longe do chão rachado, só voltará na próxima lua nova, quando for escuro demais, o medo domar o sonho, e a realidade se exigir curta, concentrada, pelo braço acima, até se voltar ao monte.
Depois não há monte. O monte foi para longe, levado num deslize de terras real. Apenas se sonhou o dilúvio que a levou. O monte fugiu, pelo seu próprio pé, em retirada, de uma batalha perdida.
O fix será sempre um fix. A terra desvanece, com a brevidade exigida pela realidade.
Quando o fix acabar, soa a marcha errada, o figurante de braço limpo envolve-o no seu par retorcido, e o monte, demasiado grande para abraçar, será demasiado pequeno para se vislumbrar no palheiro.
Há quem seja uma casa devoluta. E um fix será sempre um fix.
|
|