Rape

Data 25/11/2009 01:34:10 | Tópico: Contos

Naquele rosto petrificado, esvaem lágrimas silenciosas. Em profundo estado letárgico, Madalena jaz naquela mata deserta, conspurcada, nua. Seu frágil corpo, derrotado pelas garras daquele terrível predador, lateja incessantemente. Um vento árido penetra-lhe as entranhas como o violento trespassar do gume metálico de uma cruel espada.
Sobre a atmosfera, paira um cheiro nauseabundo, infestando putridamente aquele lugar ermo vazio. Subitamente, um caloroso cobertor envolve aquele franzino e aterrorizado corpo. Amordaçada naquele nojento bafo que se lhe entranhava na alma, Madalena não esboça qualquer reacção perante o surgimento do nada daquele bom samaritano.
Entorpecida naquela pungente redoma, abandona-se naqueles robustos braços que agora amparam seu corpo dilacerado. Por entre a densa bruma daquele tenebroso anoitecer, Madalena é socorrida, levada daquela inóspita e voraz mata.
À medida que os passos silenciosos se cravam nos espinhos do mato que desponta na aridez do solo, estalam os ossos daquela indefesa menina até à medula, agrilhoando o peito do homem que a carrega.
Prestes a soçobrar ao reflexo fúnebre do rosto que jaz apoiado no seu ombro, Daniel acelera o passo, suplicando força e entendimento perante aquele olhar abandonado que parece interrogá-lo, sob o aspecto tenebroso que se desprende do céu.
A noite avança impiedosa em laivos de negrume, engolindo ambos num trago gélido e dilacerante. Sob o lancinante peso que lhe esmaga a alma, Daniel solta um interminável suspiro que se condensa nos labirintos daquele sinuoso trilho sem fim. Como uma espécie de assombro inesperado, surge na lugubridade do firmamento o reflexo fosforescente do luar.
Envolta no véu daquela aurora celeste, Madalena desfalece num sono profundo. Os seus longos cabelos negros esvoaçam rebeldes como folhas amarelecidas que se desprendem das árvores sobre os contornos vincados do macilento rosto de Daniel. Assoma ao longe, sobre o cume daquele inóspito bosque, o esboço fantasmagórico dum barracão abandonado.
Sob o peso metálico daquela ferrugem que carcome o cerne, Daniel faz rodar a maçaneta da porta, sentindo o áspero crepitar da fechadura abrir-se à escuridão mórbida que paira naquele interior. Ainda flutuam no ar rarefeito eflúvios do café que havia preparado ao final da manhã, antes de ter saído para o desassossego infernal que lhe sangra na pele.
Um silêncio perturbador lateja no cérebro de Daniel. A sua capacidade mental não lhe permite compreender a natureza da severa situação que tem entre mãos. Apenas tem consciência de que está perante uma menina banhada em dor, que agora repousa imóvel sobre a sua pequena cama de ferro.
Sentado no pequeno banco de madeira, vela o asfixiante sono de Madalena, interrogando-se, em simultâneo, sobre como proceder aquando do despertar.
Ao ribombante eco do primeiro tiro de caçadeira, Daniel pula atarantado da cadeira, correndo em direcção à embaciada janela, devorando o ar rarefeito à ofegante respiração. Com as mangas rotas da camisola apressou-se a limpar o vidro, enfrentando os vorazes focinhos dos cães de caça que salivam, ávidos, do outro lado. Apavorado, suspenso no terror daqueles caninos afiados, Daniel lança-se na direcção da porta, com a mente a latejar unicamente no intuito de aquela indefesa menina salvar.





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