Ceia na rua - uma crônica real de Natal
Data 25/11/2009 22:22:21 | Tópico: Contos -> Natal
| Poderia ser uma história real, Ou, uma mera ficção, Mas, que de fato escapou Da crônica policial, Pois, não houve convicção No relato...
Ainda que fosse uma história virtual, Nestes tempos ditados Pela rapidez das redes sociais, Poderia ser mero boato, E não ocupar nota de destaque Na coluna social...
Seria tida como coisa de vidente, Jogos de búzios, cartomante, Ou previsões de astrólogos Na virada do ano, Cena que se repete, E há quem ache chato...
Eis que finalmente surge o conto - E não era tradicional – Talvez um pouco vulgar Que mesmo depois de pronto Insiste em se transformar, Talvez em história nacional... Inserida no contexto do lugar, Poderia ser qualquer lugar... Como em uns quebra cabeças Vão se juntando as peças A rima da narrativa Não encontra alternativa...
Há que falar do conto ou quiçá do canto Em que se transformou, em pranto... Nem nestas viagens gramaticais Pode avançar a carroça da história, Sem que se dê conta Da história de seres angelicais
Recolhendo rejeitos nos latões - Do fatal consumismo humano - Na penumbra da noite sem cansar, Utilizando papelão como manta... Poderia ser mera presunção do poeta Querer adentrar o tablado das ruas?
Interpretar o teatro vivo do cotidiano Tomando do pintor uma aquarela Que retrataria um pulsante coração? De histórias que ciclicamente se repetem, Nuas e cruas, de Charles Dickens a Cervantes, Victor Hugo, Drummond, Dostoievski, Galeano...
Mas onde estará o conto no verso, Se o livre discorrer já não retrata o livre viver? Talvez nas contas de um gasto terço, Que silenciosamente a fé de uma mulher, Sob a marquise o céu a contemplar, E com olhos fixos cruza e penetra meu ser ...
Com apenas um sorriso me fita, E desvela o simplório, mas sagrada ceia de Natal... E antes que entregue o pedaço de pão dormido Ela acena para tantos que almejam saciar a fome, Transformando em um milagre da multiplicação Compartia com todos, não importava quantos...
Cativado por altruísta demonstração, busquei Retratar no encontro dos olhares a paz Daquela gente sem rosto, sem nome, sem teto, Que improvisava a sua ceia de rua sob a marquise, E o presente era um simples e terno abraço, Na aventura de estar sobrevivendo, vejam...
Não foram precisos títulos outorgados Na verdade, eram poucos gestos singelos Que não eram estereotipados, mais silêncios, Para que a linguagem universal brotasse, Quebrasse os elos, se fizesse presente, Pelo simples desejo de reunir os despojados...
Nada a comemorar! Tudo a comemorar! O encontro acontece por um simples ato de doação. Naquela improvisada mesa de mármore, Na calçada, para uma ceia sem estampas ou selos, Senti como nunca, a presença de Jesus-menino, Como se estivesse rodeado de pastores de rua...
AjAraújo, o poeta humanista, ceia de natal na Rua Uruguaiana, presenciada pelo poeta, na véspera do Natal de 2001
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