Diário da noite IV

Data 29/11/2009 22:36:59 | Tópico: Poemas


A lua deixa um rasto luminoso verde-escuro, que se mistura na luz baça diante do arvoredo silencioso, sem gemidos de aves, nem dos ventos, apenas com o grito oculto dos mochos e corujas que vigiam a passagem. Já há muito que ali não vinha, mas tudo lhe parece semelhante à última vez que ali esteve, as marcas no velho caminho, o telhado desmoronado do velho armazém abandonado, as gotas que pingam doentes dos umbrais e a folhagem cinzenta que se apoderou das paredes devotadas ao esquecimento. Sabe bem onde se situa o lugar, é por detrás de mais uma sala das muitas que percorre em silêncio, não sabe bem porquê mas a obscuridade acentua-se mais e então não vê mais nada, apenas a penumbra leve lhe serve de guia e as colunas que ainda subsistem lhe servem de indicações de que está perto. Soltam-se-lhe silhuetas no olhar, corpos manchados pelo brilho maldito do luar que agora não mais se oculta, gemidos lentos e mudos, ecoam nos seus ouvidos, na surdez do lugar. Há vários, encostados pelos cantos, num louco e frenético frenesim, uns acabam e vão-se embora pelo mesmo carreiro oculto que ali o trouxe. Ele não o poderá fazer, ainda não, sem o consumo da dor que abraça numa sombra qualquer, sem experimentar dentro, a ilusão calada e morna, de um outro sexo vulgar, abruptamente e violentamente encostado no seu.



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