NOITE FRIA

Data 12/12/2009 23:29:42 | Tópico: Crónicas

NOITE FRIA

Tarde pardacenta. O azul do céu ofuscado por cúmulos prenunciadores de chuva. Apenas uma nesga a deixar passar uma réstia do Sol que se aproxima do poente. O ar que se respira, a natureza, as coisas, mesmo as pessoas, a sugerirem-me uma atmosfera que me não é estranha mas que sinto distante no tempo. Nas ruas há uma iluminação com cheiro a comercial e a música que se ouve é marcada pelo ritmo frívolo e frio das baterias que escondem os resquícios de melodia que possa haver por trás. O dia arrefece e está mesmo gélido, quando me sento à lareira que para a acender exigiu da minha pouca habilidade não pouca mão de obra. Enrolo-me numa manta que me apresta a esconjurar o gelo que do corpo me está a invadir a alma, recomposto do frio, a lenha a crepitar, não tardo a mergulhar nesse outro mundo que chamarei de intermédio. Em instantes estou nos dez anos, sinto-me na nossa grande cozinha da Lomba onde tudo de importante se encontra, estou à lareira e à minha volta tudo cheira a Natal. Os adultos da casa afogueados em canseiras, que a noite é única, os sapatos vão ficar na chaminé e de manhã vai ser uma alegria. Decerto que o menino Jesus se não vai esquecer de mim. De uma prenda tenho a certeza; duas já é menos provável, porque o Jesus tem um mundo de meninos a atender e ele é justo. Não sei se vou dormir. Lá fora ouço ao longe um cântico de Natal, é Noite Feliz, deve ser no rádio do Toninho político. O meu pai acaba de entrar com um bolo rei e uma garrafa de vinho fino, de que eu gosto tanto. As palavras calorosas da Madame que acaba de entrar na cozinha, são tão vivas que me acordam mesmo para a realidade fria deste Natal de hoje onde não mora a alegria, porque não moram já as pessoas, porque lhe mataram o espírito, porque nem sei bem se ainda é Natal.

Antonius




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