DOIS SOLDADOS NO SOL

Data 17/12/2009 17:11:06 | Tópico: Textos -> Outros

Diariamente e quase o dia inteiro o sol incide com força e intensidade, num brilho cáustico e sufocante, apesar da temperatura fria na cidade, sobre o frontispício da Casa Rosado, em Buenos Aires. A sede do Poder Executivo argentino está localizada em frente à Plaza de Mayo e fica protegida pela presença da guarda presidencial apropriadamente vestida com a farda de gala. O trabalho deles, como é óbvio, é deixar evidente que o lugar se encontra sob o atento olhar de homens prontos para a ação a qualquer momento e seja em que circunstância for. Eles são, evidentemente, parte integrante do quadro formado por aquele imenso e vetusto prédio que chama a atenção de todos os visitantes.
No segundo dia de minha estada em Buenos Aires, estando o hotel onde me hospedei muito próximo da Praça de Maio, resolvi ir até lá para rever tudo e tirar fotos de um dos lugares mais fotografados pelos turistas, além de tornar a ver aquele ambiente tão cheio de história e regado por tanto choro e lamento das mães dos desaparecidos no tempo da ditadura. Nesse dia o sol me pareceu especialmente causticante e vi até mesmo os portenhos fugindo daqueles raios exagerados, o que normalmente não acontece pois a temperatura usual os leva a sentar-se ou deitar-se a plenos raios solares para aproveitar o calorzinho amigo que ameniza o frio cotidiano.
Como sempre, não poderia faltar, é claro, um olhar deslumbrado à Casa Rosado, aquela passagem obrigatória por um recanto que sempre deixa encantado qualquer um.
Aproximei-me dos portões de ferro, o sol queimando o chão, as pessoas andando apressadas para fugir da claridade excessiva e do calor abrasante, então vi. Além do primeiro portão depois da calçada, onde avistei uma guarida, havia outro na entrada principal e ali o Astro-Rei castigava com mais crueldade. Sob ele, em posição marcial, duros feito estátuas, dois jovens guardas presidenciais encaravam sua função com denodo e profissionalismo. Onde os dois eram obrigados a estar por dever de ofício certamente o calor passava dos 39 graus, afora pesar sobre eles a responsabilidade de ali permanecer por horas a fio na mesma posição de sentido, cobertos da cabeça aos pés, indiferentes a tudo e a todos como se não fossem humanos. Eu os olhei durante alguns minutos esperando alguma reação deles, mas em nenhum momento chegaram nem a piscar ou mexer um dedo, dando a impressão de mumificados ou transformados em pedra. Sem acreditar no incrível da cena, fiquei pensando o que poderia estar povoando a mente de cada um e imaginando quanto sacrifício passavam naquele trabalho árduo e insalubre. Ao sair dali, não suportando a intensidade solar, voltei o olhar novamente para os dois membros da guarda presidencial percebendo que continuavam na mesma posição tendo o olhar perdido nalgum ponto do nada à sua frente.



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