QUANDO AS GUITARRAS SE CALAM

Data 22/12/2009 12:52:35 | Tópico: Poemas -> Reflexão

QUANDO AS GUITARRAS SE CALAM



Na penumbra da sala
Agasalhada de silêncios
O trinar de uma guitarra
Vocifera baixinho à minha alma
Toda a poesia do mundo!

Dentro de mim pulsa
Não sei que força
Não sei que grito…
Num impulso aflito
Declamo aos sonhos
As palavras poemas de um mito!

Oh Poetas do Mundo… Cantai
Também a nossa voz entoa!
Façamos de cada soneto
Uma lágrima de espanto
Um sussurro de alegria
Porque
Como quem encanta quem canta
A voz do poema é melodia!

Oiçam-no trinar nas cordas de uma guitarra
Oiçam-no no som metálico de um trompete
Oiçam-no nas batidas ritmadas de um tambor…
Oiçam-no!
São sílabas de lágrimas
Ecos
Acordes que se repetem
Numa elegia de amor!

Que não se calem as guitarras
Quando a voz do poeta se levanta!
- Deixem-nos gritar bem alto o nosso fado!

São marés que ondulam
Ventos que sopram
Sóis que iluminam
Sentidos despertos
Pedras pisadas que comovem…

Que se erga a alma
Por cada verso dito
Por cada estrofe cantada
Por cada poema encantado
Que vos encanta!

Riam connosco as nossas dores…
Também temos canto na garganta!

Todas as guitarras emudecem
Quando o fado termina…

Na sala
À luz ténue das velas
Todos se entretêm a falar e a beber
Alheios ao poema que germina
Na mente do poeta que o idealiza
E se difunde, como pólen de uma flor
No silêncio amortalhado da algazarra.

Quem o escuta…
Quem o escuta?!
Silêncio!
O poema é uma guitarra
A música é poesia!

Gargalhem esta dor
Que de tão chorada
É a música da alegria!

Por vós que permaneceis alheios
Aos sonhos em palavras construídos
Aos cantos que vos embalam
Mais alto direi
- Estou aqui!
Sou pleno! Sou tudo! Sou Universo!
Sou aquele que canta o amor
No tom esgrimido de uma corda
Que prende os lábios nos vossos olhos
Que procura nas vossas mentes
O compasso que demora!

Sou aquele que desperta a vida
No teclado de um piano
Que acrescenta aos vossos desejos
Gritos de paixão palavras e beijos
Sorrisos promessas desenganos…

Mas porque ainda não terminou
Vamos renascer as Primaveras
Neste ensejo definido
De gritar alto o som de um fado
- Sem o cantar –
Para nos sentirmos por ele envolvidos.

Escutai também o poema
Que ao poeta dói
Sem guitarras
Que essas já se calaram…

O poema que cada um constrói
É livre é feito de sentir
São dores que por nós passam
São promessas de riso… E de porvir!

Oiçam com atenção
- Que não se escute ninguém!
O poema é uma canção
O fado é um poema também.

“Procuro pelo mundo uma paixão
Que arda em luz dentro de mim
Seja asa no céu seja na boca pão
Na alma um florido jardim”

“Reparo naqueles olhos transparentes
Como um mar luzente… belo
Por eles navego como viajante
Pelas ondas do seu cabelo”

“Como te quero… Oh luz da minha vida!
Ando pelo mundo sem lei nem guarida
No alforge só um glaciar ciúme…”

“Numa auréola de luz te vejo…
Mas no labirinto do meu desejo
Ardo com a solidão no mesmo lume!”

Quero também chorá-lo
Como o avaro ocioso que guardou
No mais extenso deserto
A fortuna num palácio abandonado…

Quero ser como o louco
Que num atitude bizarra
Encontrou a fortuna
E inventou a guitarra!

Por isso grito bem alto:
- Por favor
Dedilhem-me um fado!


António Casado
Revisto para o Luso Poemas
Declamado num sarau de Fado em 2000
3 Janeiro 2000


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