[não posso esquecer]

Data 23/12/2009 14:07:57 | Tópico: Poemas

não posso esquecer
a língua no dédalo dos dias
de ofício concreto
rotineiro
do corpo entregue ao ritmo das sirenes
das incansáveis máquinas fabris
de autocarros comboios seus horários

não posso
a língua arde porque cria
o poema
o homem dentro do poema
a explicação do mundo
mesmo quando outro é o mundo
que o poema revela

não posso e questiono
por que veias corre célere
a linguagem

por que paredes muros de breu
de gritos agrilhoados
gestos amordaçados
se cravam as unhas de um verso
de um verso verdadeiro

pergunto porque não posso
esquecer esquecer-me
da mão que pede a palavra pão
e que não entra no poema

como metáfora de advogado
que entrando justiça pede
e sai ajeitando a toga
pelo dever cumprido

não posso não quero não hei-de
esquecer

a palavra é uma arma e o signo ogiva
e um poeta
poeta de facto
é terrorista suicida
que explode dentro de cada sílaba

porque um poeta
poeta de facto
tem a memória por pele



Xavier Zarco



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=112143