FADO MISERÁVEL

Data 26/12/2009 13:42:24 | Tópico: Poemas -> Humor

Veste fato e gravata, tal como um doutor,
Disponível para cantar onde quer que seja,
Revolve nos bolsos vazios um cigarro dor
Na esperança fútil de que algum amigo
Por consideração à sua voz de mendigo
Lho desse, acompanhado de um tinto rancor.

Cabeça emproada num extenso frenesim,
Canta ao som da guitarra que nunca existe
Canções plagiadas num tom de profundo pasquim
E espera, numa atitude doentia,
Pelo grande sucesso que virá algum dia
Fazer dele uma estrela de perlimpimpim.

É o fado da noite, longas horas insones,
Barcos que cruzam o rio com melancolia,
Eco metálico batido aos microfones:

Vida feita de muitas e loucas maravilhas,
Amores perdidos sobre os convés, no cais,
Onde as mulheres estrebilham os seus ais
Num xaile de frio, numa cama de lentilhas.

Olha atento o mundo vadio, irreal,
Pelo fundo do vidro de um copo cheio
Distorcido, fanático, repetido, igual…
Sente-se vedeta na taberna ou no café
Perdido na vaidade de nem saber quem é
E de não saber, que por desventura, canta mal!

Dedicado ao grande fadista de Setúbal “Carinhas”.
Revisto para o Luso Poemas
29 Dezembro 1989



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=112406