BRANCA DE NEVE E O CAVALEIRO DE NEGRO

Data 29/12/2009 16:36:53 | Tópico: Contos -> Humor

Sempre gostara do branco, da neve. Até da musicalidade mansa dos flocos caindo, ou da melodia onomatopaica da palavra "floco", desfolhada de um sopro... Escusado será dizer que a sua heroína de infância era (ainda) a Branca de Neve!...

Cresceu a sonhar com um cavaleiro vestido de branco, montado num cavalo branco, que a levasse em nuvens (brancas!) até um nupcial leito de alvas penas de cisne branco...

Enquanto ele não chegava (ou ela não o encontrava), firmou a sua própria vida, comprou um apartamento que decorou todo em branco - pavimentos, mobiliário, adereços, tapetes... - e ofereceu-se um companheiro a condizer, um lindo gato persa de pêlo fofo, branco, macio, um verdadeiro floco de neve morna, a quem só permitiu uns olhos verdes como insinuante nota de cor - o Seven.

Mas do cavaleiro vestido de branco, nem sombras! (aliás, só sombras!...) Vinham todos vestidos de cores impuras, com ares mais de rude Sancho do que de refinado Quixote e modos da mais prosaica obscuridade... Tentou, a mais que um, oferecer roupas brancas, para ver se a magia se dava, mas quê?, chegou à conclusão que o hábito não faz o monge! O seu cavaleiro branco tinha que ter luz própria!...

Até que O conheceu. Era Ele! Elegante, garboso, bem falante, sedutor, sofisticado... Nem reparou que nem se vestia de branco! Convenceu-se ainda mais que é pelo andar da carruagem que se lhe sabe a cor... Ele era só luz, para ela! Luz ofuscante que a envolvia e a elevava em realce! Definitivamente, era Ele! Nem o cavalo refulgente lhe faltava (que por acaso era preto...), um Maserati Quattroporte Sport GT S...

Era final de ano e o "réveillon" foi planeado já a dois, no apartamento dela. Tudo tinha que estar perfeito! Os pormenores foram cuidados com esmero e às oito da noite ela já o esperava, vestida com um sedoso vestido branco drapeado. Na mesa, só o brilho dos cristais se destacava na brancura total, por todo o lado, fofas almofadas brancas, a perfumar o ambiente, flocos de velas estrategicamente colocadas... Ela sorriu para o Seven, o seu gatinho persa, que ronronava exigências de mimos nas suas pernas bem torneadas... Um tremor feliz da sua dona sacudiu-o bruscamente, quando a campainha tocou: "Vou fazê-lo sentir-se nas nuvens!", disse baixinho, mas o gato, ofendido, virou-lhe as costas e, de um pulo elástico, foi amortecer o seu despeito na suavidade do sofá.

O seu príncipe finalmente chegara... todo vestido de um sóbrio negro total. Ela olhou-o e nem viu o risco, puxou-o para dentro com um beijo e só viu (mesmo à media luz) a mesma luz que a trazia ofuscada de amor...

Seven revolveu-se desconfortavelmente na confortabilidade do sofá e nos seus olhos verdes acendeu-se um risinho felino, a raiar os ciúmes. O parzinho de amantes, lado a lado, como teclas de piano, coordenava beijos com a melodia de fundo...
Ela afastou Seven, que os olhava irrequieto e inquieto, com uma das alvas e delicadas mãos, enquanto que, com a outra, puxava o amado e o instalava no conforto macio. Sobre a mesa de apoio havia dois aperitivos já preparados e ela serviu-o com graça, enquanto se sentava ao seu lado e debicava beijos no líquido branco do seu copo...

Até que chegou a hora de darem início ao jantar sofisticado que os aguardava na mesa...

Seven tinha-se entricheirado num canto e espiava-os sorrateiramente. O príncipe de negro levantou-se, e, num acender de luz, o seu brilho embaciou... só o seu olhar pareceu chispar, mas de indignação: o seu belo e impecável "outfit" preto puro estava totalmente profanado, maculado, adulterado! Em sacudidelas furiosas, tentou livrar-se do pêlo insidioso e da solicitude da aturdida Bela das Neves...

Perdeu-se o encanto!

Em efeito bola de neve, ele perdeu a compostura e ela perdeu a cabeça (e o namorado...)!
Ah, e o Seven também achou por bem perder-se no meio do branco que restava, não fosse o rubro de raiva da dona sobrar para ele, quando a porta batesse...

Moral da história: Quem tem gato, não caça com pele de cordeiro, pois pelo pêlo morre o belo peixe que salta para a mesa e, mal por mal, mais vale ser pardo à média luz, do que gato preto pelas escadas abaixo...

mmmmm...? ok, aceitam-se provérbios para a moral da história...
(...fora com o ano velho!...)


FELIZ ANO NOVO PARA TODOS! **
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