80

Data 02/01/2010 21:25:26 | Tópico: Textos






eu dizia da espera que ela havia de te embaraçar os cabelos, que estes se haviam de se tornar novelos, que estes últimos, por sua vez te haviam de enrolar o corpo, até seres obrigado a esperar, numa meada, que alguém te viesse buscar. ora, se assim eu dizia, e assim eu fizera, a espera conduzia à espera, ou vice-versa. e enquanto o dissera também eu esperava e, sem me dar contar, em mim também se enrolavam os cabelos com o tempo. e sendo eu tempo, ainda que não o tendo, ia apartando de mim os espaços, as memórias, os trajectos do rosto, a emoção. então: tu ias e vinhas como uma imagem recortada em pedaços, de onde a nitidez fugira há muito, quando sem espera ainda havia tempo para te recordar as feições internas do corpo. e é no interior destas lembranças, quando à espera ainda da espera consigo retirar alguma memória, ainda que pequena, que vou, no contrabalanço da imagem, recordando: primeiramente os teus olhos, depois o nariz, a boca e por fim, como se de um milagre se tratasse, tenho em mim, rente ao corpo, o teu. e é no surgir intenso que te moves, ganham força os teus braços que me abraçam e, no calor da pele contra pele, já antecipo o beijo. como se a espera, ou o novelo, ou a meada, sem querer te tenham encontrado, dentro do peito, no sítio onde te perdi.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=113302