PRENÚNCIO DE UMA ELEGIA

Data 05/01/2010 02:02:51 | Tópico: Poemas

"Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho"
- Carlos Drummond de Andrade -


não te farei uma prece
porque deus fugiu de mim faz tempo
não repares
:não posso suplicar às estrelas
porque tenho os olhos míopes
e sem os óculos enxergo nada
- ou quase
vejo-te com teus dedos exaustos
batendo batendo na porta do fim
fim? mas que fim é este?
o fim não existe
vem um padre que gostavas
ele sim diz uma prece
com seu livro de rezas na mão
como não podes mais receber a hóstia
faço tuas vezes embora não creia
mas eu já fazia isto no nosso velho casarão
- lembras-te?
eu era só o menino levado que falava a língua dos cães
e rabiscava frases que não faziam sentido
até que um dia descobri
que a vida não faz o menor sentido
por isso numa noite de julho resolvi me matar
e acordei numa casa de loucos
e pensei que a enfermeira que me pedia calma
com seu par de olhos azuis fosse um anjo
depois eu tinha a bola nos pés
depois eu tinha o mundo nas mãos
e percebi que todo gol que eu fazia era inútil
me perdoa
não tive culpa quando a poesia veio ter comigo
não sabia que isto fosse acabar em dor
mas não tive como recusá-la
me perdoa
teu menino envelheceu
criou barba conheceu mulheres chorou amores perdidos
escreveu canções nas mesas dos bares
não foi culpa minha
a poesia me seduziu criminosamente
(tenho a alma suja de sangue)
mas eu não podia dizer não
me perdoa
o ato de existir também me agride
agora
quando os teus dedos frágeis mãe batem
na porta do fim

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júlio. 5-01-10

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