O AMOR DOS HEROIS

Data 11/01/2010 22:10:05 | Tópico: Poemas -> Amor

Fosse tão afiada a dor que no meu peito rasgado sangrasse!
Fosse tão forte a luz que fulminando-me o olhar me cegasse!
Fosse tão depravada a loucura que de mágoa enlouquecesse!
Fosse tão bela a morte que até mim viesse e me levasse!

Ai, amor, nem a dor, nem a luz, nem a loucura e nem a morte
Semeiam em mim tempestades tamanhas como a tua ausência
Vendavais de dor que despedaçam a solidez da rocha mais forte
E afastam-me cada vez mais do sol da tua amada presença!

Acorda em mim na paz deste amor tão triste e tão atribulado
Sê como Julieta que amou devotamente até à morte!
Dá-me o veneno de Cleópatra num cálice cristalizado
Pois é bem melhor esse amargo copo de veneno que tal sorte!

Ai, amor, exaltado seja este fogo pleno e ardente!
Já que não consigo esquecer a chama que me alvitra e destrói…
Apesar de tu, oh Dalila, teres estrangulado a semente
Que no meu peito germinou como fogo e água e que hoje dói…!

Lança fora os sete punhais com que os deuses encantaram a dor!
De sofrimento já me basta a flecha atirada por Cupido…
Enclausura no convento do meu peito tal criminoso o amor
Para que tudo o que eu oiça, diga, veja… Não faça sentido!

Como Herodes mandei quebrar o vidro escuro dos candeeiros
Para que a luz com o vento aos olhos de todos se extinguisse!
Ardeu Roma na colina verde da brancura virgem dos teus seios…
Ai, quem me dera ser um Hércules que no peito do mundo florisse!

Mas Adamastor passou por mim, destruiu a essência da imagem…
Agora como um deus sem altar erro à procura de caminho
Tal apátrida sem raça, lei ou credo, que nunca ganhou coragem
P’ra gritar a toda a gente: Quanto mais amo, mais vivo sozinho!


António Casado
19 Dezembro 1990
Revisto para o Luso Poemas



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