Visto daqui

Data 15/01/2010 16:37:23 | Tópico: Poemas

(Por trás de olhar estou noutro lado, a caminhar de olhos fechados.)


Não sinto, não escrevo, não me encontro.

Mas os fios negros que saem da caneta vão ocupando espaços brancos com ideias, atravessados entre a memória e o papel, entre a rua em que estou e a minha presença. A temperatura treme-me o traço, por ser inverno até aos ossos de tudo o que é vivo, das pessoas estranhas até às entranhas que se escondem por baixo do frio que me envolve os movimentos.

Não penso, não espero, não me iludo.

Mas desenha-se esta rua nos meus olhos. Passam nela pés frenéticos, amontoam-se montras estéticas lado a lado; passeios paralelos como os passos desta gente, que não se cruzam a não ser no alinhamento de onde as vejo, transeuntes pelas chuvosas horas passageiras.
Entram luzes pela abertura da visão. Na atenção paira entre prédios as traseiras, doutra rua que com esta abraça o quarteirão. O som do trânsito entupido nos ouvidos, esse sim, cruza o da outra rua da qual vejo as traseiras, na melodia citadina da hora de ponta à ponta da cidade.

Não ajo, não escolho, não me escuto.

Mas está a chegar a altura em que as palavras me ouvirão chamar por elas, numa intensidade sonora inaudível ao sentido desta rua, que sobe independentemente da minha vontade em estar parado. E rua acima estas palavras se aproximam, nas pedras calcadas das calçadas, nas pegadas que me afastam das pessoas.
Ainda que caladas, são boas as palavras que nos ouvem, é bom tudo o que grita o que não temos para dizer.

E entanto não me entendo, em tanto não digo, não consigo.



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