Um conto que é romance

Data 10/07/2007 23:13:45 | Tópico: Contos -> Infantis

Vou escrever algo:

Quando quero escrever um conto sai um poema, quando quero um poema sai um pensamento, quando quero um pensamento sai uma palavra
e as silabas são sempre todas, á letra. Por isso vou escrever um romance, uma história de desamores de amores no singular . Esta história ao contrário das histórias verdadeiras é mais verdadeira ainda, porque os personagens eram mesmo um só.




Não era uma vez...penso que foram vezes uma muitas vezes (Voltem atrás e leiam direito)

e para que não me passem uma rasteira nesta história ...foram vezes uma muitas vezes.

Uma dessas vezes, quando era pequenino (ainda o sou, só que agora excito-me com coisas tipo parênteses fecham parênteses, ao quadrado)
Quando falam, falam sempre do passado, recordam-se histórias, sempre saudosistas como se a saudade não fosse dor, sim saudade é o que não é.
Falo do futuro para dizer.: no futuro quero esse passado.


Ele era o mario, sem acento (que isto dos correctores já não são como antigamente), ela era a maria, simplesmente. Simplesmente maria.
Os dois juntos em cima um do outro davam meio. Meio que foi o seu viver na venda de brinquedos, dos tempos em que os brinquedos falavam.
Meio de vida para disfarçar as desgraças que são mesmo a anti-tese de todas as graças. A sua graça era mario a sua desgraça era maria,
como diz o provérbio, era versa vice.


E os dois juntos, um em cima do outro, em qualquer posição, mesmo que na cama sutra, davam meio. Viviam da venda de tráfico de brinquedos.
Eram heróis malditos porque o amor que os unia ( como se amor pudesse ser outra coisa) não lhes dava réstia para verem que no mundo ao lado
do seu universo viviam seres traquinas e galáticos, as crianças. E eu era galáctico como ainda o sou, traquino.

Lembro-me que tinham forte concorrência, porque o Barbosa mesmo sem estar em cima de ninguém e isento de cama-sutras, era grande, aliás
(perdoem-se esta expressão complicada e os parênteses da minha invocação sempre a fecharem-se sobre nós mesmos). Nós mesmos, pleonasmo
absoluto porque nós somos sempre os mesmos, nunca outros nós. Como estava a dizer o Barbosa era grande, isto é, era maior do que si mesmo, e
como se não bastasse essa concorrência ao mario e à maria, também vendia brinquedos. Só que o Barbosa, como era enorme e tinha um coração maior
que o mario e a maria, que eram pequenos, conseguia a proeza de vender brinquedos a si mesmo. Ora, em boa hora vos conto neste romance, que o mario tinha um coração maior do que o seu minúsculo quintal, onde fanava-mos a fruta do nosso contentamento, em linguagem antiga e salazarenta o mata-fome, mesmo com verde fruta, porque há fruta verde que é madura (perguntem ao Adão ou á Eva). Agora vou escrever aquele bocadinho que se inventa roubando á imaginação, a maior das verdades.
O Barbosa que era gigante, não sei porquê, zangou-se com a maria por causa de um olhar atrevido de gigante que lançou ao mario ... e porquê?

Ora a história dos ciúmes não é para aqui chamada porque o Barbosa tinha um coração pequeno, mas bem maior que o quintal minúsculo do mario e da maria, tal era o tamanho da desporpoção da grandeza das suas ideias bem maiores que o seu corpo ciclopado. O Barbosa era maior do que o mais pequeno dos mundos.
Como naquela altura a concorrência apertava porque ninguém fazia compras, ambos, Barbosa e mario e maria tinham um problema, os catraios assaltavam-lhes os quintais para lhes roubar a fruta verde, esgotada na fome. E um dia tipo era uma vez...

O mario, que era o homem da causa sem u, mandado pela sua minhota esposa (interrompi o conto para escrever no msn: acabei de jantar e o aperitivo é um conto ..envio-te depois)...
Como já tinha uma expressão estudada para este conto que é um romance), escrevo:
Ah onde é que eu ía. E há quem diga, não é onde, é aonde.

Estava eu com o Barbosa a contempla-lo e ele, mestre da bondade de, dizia-me que o meu pai iria comprar aquele blindado que não era um avião mas voava e até voava com fumo invisível.
Fixe. Estava eu muito fixe e o Barbosa também. Naquele tempo toda a gente sabe que o tabaco era caro e ganhar o valor de alguns volumes era negócio. Hoje há quem chinoca isso e tem lugar até, se aceitar um, recebe outro por cima. Coisas que por um pouco a culpa é da Internet. Causa de parênteses... e correctores.

Claro, claro o mario era assim, pegava numa espingarda brinquedo e dava tiros a sério, foguetados. Nunca em toda a minha vida um foguete que ainda me assusta, medava-me tanto (esta palavra não é conhecida pelo corrector do sistema). O foguete agora merda-me. E estava ele, o mario, aos tiros e como a espingarda não era tão "redbull dou-te asas) não tinha áudio. Era desprovida de som e vai o mario, mais sabedor disso do que ele próprio, enganava-se imitando com a boca o troar de canhões dizendo e soprando: pluf, pluf .pluf..porque era pequenino. E nós fugíamos em debandada. Um dia Barbosa apareceu, dizem a passar na rua como sempre e passando alguns meses, muito tempo depois de mario e maria deixarem de aparecer. A escola que morava perto deles era boa vizinha, mas de verão lá ía ela de férias e vai que ninguém, se apercebeu que o mario e a maria tinham morrido. Dizem inclusivé: estão mortos, irremediavelmente mortos. Algum intelectual fora buscar esta expressão ao fio da navalha e vai daí convenceu toda a gente. Pelo sim pelo não e também pelo cheiro, vice-versa e nauseabundo. Eles cheiravam mesmo mal, cheiravam mais mal do que cães mortos. Tinham morrido e como tal, normalmente ninguém acreditava. Então para o povo os brinquedos eram eternos, e para os gentios o mario a a maria eram dois brinquedos que, juntos não davam meio e como se isso não fosse pouco tinham morrido. Lá estava o Barbosa na história, sem saber ler e escrever e era grande e como se isso não bastasse tinha-lhe saído a sorte grande: acabara-se a concorrência e mesmo que ninguém comprasse ( e não compravam porque quem mandava era um tal de Salazar, e o homem era à justa. Depois, muito lentamente veio a novidade: Primeiro morreu um, depois morreu outro. Jaziam na tal sutra abraçados na cama. "Estás a brincar" diziam todos. Não morreu mesmo. Mas quem? Os dois? O mario primeiro, a maria ...que se passou? Então, desprovida da verdade, a bisbilhotice (outro pleonasmo) inventou mais do que história com H. Hoje num outro conto sei que um morreu primeiro que o outro. Mas quem foi primeiro? Foi certamente um e outro porque estavam lá. A mario ou o mario morreu e o mario ou a maria morreu também. Dizem, um primeiro e o outro pelo primeiro. mario não é a história de quem morre primeiro e maria primeiro não morre. O Barbosa por um pouco não morria primeiro e só porque o neto vivia com ele e morreu-lhe antes. (porque se alistou ao longe). Barbosa era o único que tinha razão porque acabara de perder os seus brinquedos mais lindos que eram reais ( o mario e a maria). Morreu. Despediu-se dos brinquedos e foi-se com ele, para saber primeiro que todos, quem morreu primeiro: se o ovo ou a galinha.


Esta história tem um atributo meio singular. É quase muitas vezes verdadeira. Ainda hoje quero essa espingarda brinquedo a disparar tiros a sério, que com elegância matam o atirador de amores. O mario e a maria morreram e viveram um para o outro. Tal conto de fadas, e o Barbosa, sem saber ler e escrever.


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